10:29Saudade e saudosismo

por Tostão

Nesta semana, me disseram que existe na internet algo parecido com “você pergunta, Tostão responde”. Quem me conhece tem certeza de que não sou eu. Espero que as respostas sejam mais interessantes que as que eu daria.

Escrevo apenas para jornais impressos. Não tenho blog, Twitter, Facebook, Instagram, Whatsapp. Nem sequer tenho smartphone.

Uso celular apenas para fazer e receber ligações. Ainda uso caneta, agenda de papel, leio livros com prazer, falo ao telefone ao invés de enviar mensagens escritas, vou à banca para comprar jornais, converso pessoalmente ou por telefone com a gerente para resolver minhas necessidades bancárias e muitas outras coisas que, progressivamente, se tornam obsoletas. Estou perdido no tempo.

Não pense que acho charmoso e que tenho orgulho disso. Com frequência, recebo mensagens para trocar meu celular. Qualquer dia, vão dizer para jogá-lo no lixo e que, se eu não jogar, serei expulso do mundo. A pressão é cada dia maior.

Não associe essa minha resistência ao saudosismo. Sou fascinado pela ciência e pelo conhecimento. Mantenho uma distância, mas admiro esse novo mundo. A internet é um dos fatos mais marcantes e revolucionários da história da civilização humana.

Atualizo-me sobre tudo o que acontece, no futebol, no país e no mundo, pelos noticiários da TV, que filtram todas as informações úteis e inúteis que surgem na internet. Além disso, vejo, diariamente, partidas de futebol, na íntegra, do Brasil e de todo o mundo. Tiro minhas conclusões. Conhecimento não é apenas informação. É também observação.

Não sou saudosista, modernista nem futurista. Não há solução sem conhecimento, mas não me iludo que a ciência explique tudo e que tudo o que acontece em um jogo de futebol é decorrente de estratégias. A vida e o futebol se passam também nas entrelinhas, nos acasos, no não dito e no imponderável.

Os saudosistas falam que o futebol brasileiro precisa voltar à sua essência, como nos anos 1960. O futebol e o mundo mudaram. Temos de aprender com o passado, porém, sem repeti-lo. É preciso separar a nostalgia, a saudade, um delicioso sentimento sem o qual não sobrevivemos, do saudosismo de achar que, “no meu tempo”, tudo era melhor. O tempo passa ou somos nós que passamos?

Por outro lado, existem os modernistas, que não são, necessariamente, pessoas jovens, que se referem ao passado com o enorme distanciamento, às vezes, desprezo, do tipo: “isso é coisa de outra época”, como se houvesse uma completa ruptura e um Fla x Flu entre os saudosistas e os modernistas.

Não há nenhum momento em que aconteça essa divisão. O presente é continuação do passado.

Por causa da globalização, do grande número de jogadores de países diferentes espalhados pelo mundo, há pouca variação de estilo, de estratégia, a não ser as particularidades de cada clube, de cada país e de cada continente.

A técnica, individual e coletiva, a lucidez para tomar decisões, o planejamento, a estratégia e as condições físicas e emocionais passaram a ser mais decisivas que a habilidade e a improvisação, características do futebol brasileiro dos anos 1960. É preciso recuperar a fantasia, a imaginação e o talento individual, porém, com disciplina e organização tática.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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