10:14Sob o olhar do mundo

Amigo do blog leu o artigo de Vladimir Safatle (ler abaixo) na edição de hoje da Folha de S.Paulo e concluiu que a turma que joga com esquerda tem memória curta demais. No texto, o professor de filosofia afirma que Dilma Rousseff deve sim gritar que é vítima de golpe no discurso da ONU. Afirma que é “realismo fantástico essa história de políticos corruptos procurando livrar o país da corrupção, de vice-presidentes  sedentos de poder desestabilizando presidente eleitos”, etc. Diz o leitor amigo: “Esqueceu que em 13 anos o grupo que está no poder estava abraçado exatamente com estes que agora denuncia, com ideia de se manter para sempre fazendo o que bem entendessem, principalmente seguindo os piores exemplos, da corrupção à compra de votos, tudo agravado com a falta de competência para administrar o país”. Pois é…

Dilma está absolutamente certa em querer ir à ONU denunciar o golpe de Estado brasileiro. Sensibilizar a opinião pública mundial para o que está ocorrendo em nosso país é obrigação de todos os que querem uma democracia real no Brasil. Afinal, é sintomático que a imprensa mundial não tenha engolido o enredo do impeachment como prova de força da democracia brasileira, nem o enredo das “pedaladas fiscais” como crime supremo e o carnaval macabro do Congresso de Cunha como festa cívica da moralidade nacional. Tal cenário não é a expressão da consolidação democrática, mas a degradação final das ilusões políticas gestadas na Nova República.

O fato é que o mundo consegue ver o que uma boa parte da sociedade brasileira e sua imprensa monolítica não veem. Basta ler qualquer livro de realismo fantástico latino-americano para saber de onde saiu essa história de políticos corruptos procurando livrar o país da corrupção, de vice-presidentes sedentos de poder desestabilizando presidentes eleitos, de paladinos da Justiça que aplicam a lei de acordo com a conveniência do momento, de deputados homenageando torturadores em nome da democracia.

Essa teia de contradições que parecem se acomodar em uma naturalização da irracionalidade veio das páginas mais arcaicas da turbulenta história política de nosso continente. Ela é apenas a expressão de um arcaísmo que agora volta para tomar de vez as rédeas do governo.

Infelizmente, esse final farsesco já estava inscrito como uma possibilidade. Afinal, uma das maiores ilusões da Nova República foi acreditar que a redemocratização brasileira exigia de seus principais atores políticos a capacidade de tecer alianças com os setores mais arcaicos da sociedade.

Oligarcas locais que pareciam ter saído de novelas de Dias Gomes, pastores especialistas em lavagem de dinheiro, amantes de torturadores e do porrete do Exército, batedores de carteiras e medalhas, cruzados contra a “ideologia de gênero”, devotos da motosserra, exportadores de carne enlatada para a África, homens brancos acostumados aos escaninhos da burocracia partidária foram cortejados por todos os que pregavam a ética da responsabilidade diante das “exigências de governabilidade”.

Estes venderam a promessa de que a conciliação com tais setores era necessária para um processo lento, gradual e seguro de reformas que colocariam enfim o Brasil no compasso da modernidade. Eis a astúcia suprema dos que nos governaram nas últimas décadas: aliar-se ao atraso para garantir o progresso. O resultado está aí para o mundo inteiro admirar.

Os que defendem o impeachment discordam do cenário desenhado aqui. Eles afirmam que tudo foi feito respeitando a legalidade, que essa história de “golpe” é fruto de uma bem orquestrada ação de comunicação do governo, que há sim uma ressurreição cívica do povo brasileiro. Eles querem nos empurrar a ideia de que é justo porque está na lei, mesmo que a lei seja aplicada de maneira distorcida, por agentes animados por interesses escusos e pressionados por uma histeria midiática dada ao linchamento público de quem não comunga de sua cartilha.

No entanto, coloquem para si algumas questões. Não há tribunal algum no mundo cujo júri seja composto por cidadãos indiciados e por um juiz réu. O único lugar onde isso ocorre na galáxia é na Câmara brasileira dos Deputados com seu julgamento de impeachment. Por outro lado, se há um crime cuja gravidade é tamanha a ponto de levar ao afastamento de uma presidenta, então quem faz crimes semelhantes deve ser imediatamente afastado. Dilma será afastada pelas “pedaladas fiscais”, que já foram utilizadas por 14 governadores, inclusive Alckmin e Richa. Diz a razão que eles também deveriam ser imediatamente afastados, pois cometeram crime agora compreendido como da mais alta gravidade. No entanto, isso não ocorreu nem ocorrerá porque o crime foi, na verdade, um pretexto, nada mais que isso, um simples pretexto.

Freud costumava dizer que a razão fala baixo, mas nunca se cala. Queiram ou não a história será escrita lembrando que, em 2016, o Brasil sofreu um golpe de Estado que lhe deu, de vez, as feições de um Estado oligárquico; que parte de sua população foi às ruas contra a corrupção aceitando jogar o país nas mãos do PMDB, simplesmente o partido com maior número de casos de corrupção na história da Nova República. Pode-se enganar alguns com essa história, mas não se engana o mundo inteiro.

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3 ideias sobre “Sob o olhar do mundo

  1. Olha

    Mas nao era dividido o botim da corrupção entre PMDB e PT e PP?
    Os outros chupavam a casca da laranja como o PTB de Roberto Jefferson?
    Na Usina de Belo Monte o PMDB e PT não levaram partes iguais do desvio?
    Ora dona Dilma denuncia a malandragem do Lula.

  2. Zé Povinho

    A querida companheira sofre do mal que todo polítoco sofre, enxerga os erros alheios mas não os próprios, mas a querida companheira tem um mal a mais, ela de tanto mentir passou a acreditar nas próprias mentiras que inventa. A mulher não é má, é louca pobre coitada, felizmente vai sair da nossa história e cair no nosso esquecimento. Se fosse mesmo uma pessoa de coragem como a propaganda pestista fez crer aos paspalhos, sairia da vida, não se suicidando feito Getúlio, mas pedindo a conta e saindo de fininho do palácio do Planalto.

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