13:48ZÉ DA SILVA

Comecei a escrever bem antes de nascer. Meu bisavô um dia subiu o morro e deu de cara com vários índios da tribo Xucurus. Foi preso, levado para a aldeia e sentenciado. Claro que ele não entendia nada da fala dos silvícolas, como se ensinava nas escolas, mesmo de lá, fim do mundo. Não entendia, mas sentia que iria para o vinagre, apesar de os Xucurus não serem canibais, apenas matadores dos que consideravam inimigos. Foi aí que se salvou. O chefe dos índios queria que ele lesse uma cartilha que algum deles tinha achado por acaso. Meu bisavô fez sinal de que não sabia ler, mas sabia escrever. A primeira parte era verdade; a segunda, não. Soltaram o velho, ele pediu uma flecha e, com a ponta, começou a desenhar no chão as letras que estavam numa página da cartilha. Emendou tudo numa palavra única, gigante. Toda a tribo veio olhar aquilo. Aí, aconteceu: se ajoelharam e reverenciaram o ex-prisioneiro. Ele abençoou todo mundo e o deixaram descer o morro. Contou a história para a mulher e os filhos. Ninguém acreditou. Nem ele – que morreu sem saber o que tinha escrito.

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