13:56MARIO VARGAS LlOSA

– O que o Brasil está vivendo é algo muito interessante. Vimos aí nos últimos anos um populismo que foi muito tolerante com a corrupção. Mas também vimos muitos protestos e indignação saírem a luz, de forma inédita e espontânea. Isso é muito positivo. A autocrítica que o Brasil está fazendo é terrível, mas muito necessária e eu espero que seja imitada por outros países. Sou otimista com o futuro, vejo um Brasil mais aperfeiçoado, com uma democracia melhor depois que isso passar.

– Creio que houve um endeusamento do PT e de Lula, especificamente, que virou um Messias, foi santificado pela população e pela opinião pública internacional. E agora estamos vendo que não era bem assim. E não tem mesmo de ser assim. Com o que temos de nos preocupar é em melhorar nossas instituições, em aperfeiçoar nossas democracias. Não em endeusar líderes.

‘Autocrítica do Brasil é necessária’, diz Nobel peruano Mario Vargas Llosa

por Sylvia Colombo

Em entrevista à Folha, por telefone, desde Washington, onde dá aulas esporadicamente e foi homenageado nesta semana, na Library of Congress, Vargas Llosa opinou sobre a crise brasileira.

É a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), caso se confirme seu envolvimento com casos de corrupção, e crê que tanto a sociedade brasileira quanto a opinião pública internacional “endeusaram muito Lula, transformando-o num Messias”.

E que é justamente esse tipo de comportamento da sociedade que cria os problemas políticos da América Latina.

Leia a entrevista de Mario Vargas Llosa à Folha.

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Folha – Qual sua opinião sobre a votação acima do esperado obtida pela candidata Keiko Fujimori, no primeiro turno da eleição peruana, no último domingo (10)?

Mario Vargas Llosa – Desta vez, Keiko foi melhor trabalhada por sua equipe de campanha. É uma candidata diferente da que disputou a eleição de 2011. Está mais independente do pai, mostra mais firmeza. O fujimorismo tem apoio de um importante setor da sociedade peruana, isso é fato, um apoio que vai da direita à esquerda, de pessoas que se sentem protegidas por esse tipo de liderança.

Há um setor da população que sonha com a volta de um comando forte. Mas creio que, se Keiko vencer essa eleição (o segundo turno será em 5 de junho), a polarização no Peru aumentará e se agravará. A gestão de Fujimori foi uma das piores ditaduras que o Peru teve. Uma das mais sanguinárias e mais corruptas.

Seria uma imensa pena que todo o esforço que se fez para reconstruir a democracia, para julgar os responsáveis pela repressão e condena-los, sofresse tamanho retrocesso. Tenho certeza de que Keiko reabriria as portas das prisões e libertaria aqueles que cometeram abusos de direitos humanos e crimes de corrupção.
O fato de ela ter tido uma votação maior do que a esperada me assusta. Mas confio que a oposição se una em torno da candidatura de Pedro Pablo Kuczynski.

Seu novo romance “Cinco Esquinas” trata, justamente, da fase final do fujimorismo. Como a imprensa sensacionalista foi utilizada pelo regime?

De uma maneira muito hábil e muito cruel. Não foi algo incomum nas ditaduras latino-americanas, mas ganhou uma importância maior no sistema peruano. O governo comprou e financiou essa imprensa marrom e fazia com que se publicassem matérias que destruíam a reputação dos críticos ao governo. Todo tipo de escândalo foi utilizado ou inventado, de tom sexual, familiar, financeiro.Vladimiro Montesinos (homem-forte do regime e chefe do serviço de inteligência peruano) encomendava pessoalmente as pautas, dava títulos para as matérias. Nesse aspecto, o fujimorismo foi também uma ditadura da calúnia.

Quais os efeitos disso no jornalismo peruano de hoje?

Como outras instituições, o jornalismo foi muito danificado e não se recuperou. Muitos profissionais foram presos ou obrigados a exilar-se. Nunca mais voltamos a ter uma imprensa vigorosa.

Uma das tramas do livro trata do amor entre duas mulheres. Vejo que muitos jornalistas, no Peru e fora dele, lhe perguntaram sobre seu temor em “causar escândalo”. Como recebe isso?

Me parece triste que a essa altura dos tempos, descrever uma cena de sexo homossexual possa ainda ser um tabu.No caso dessas duas mulheres, o que quis mostrar, quando esse romance começa, é o modo como o regime fujimorista mudou os costumes da sociedade.

Tínhamos o toque de recolher, a partir do qual não era possível transitar pela rua, vigiada pelo Exército e em constante ameaça de atentados por parte da guerrilha Sendero Luminoso. Portanto, se você ia jantar na casa de outra pessoa, às vezes não era possível voltar, era preciso dormir lá. E é o que acontece com essas mulheres, amigas de toda a vida, que de repente têm de passar uma noite juntas. Não tinham tido experiências com mulheres, eram casadas e tinham suas famílias. Mas, nessa noite, tendo de dividir a mesma cama, se tocam e se envolvem.

A ideia era mostrar como, nesse ambiente de claustrofobia e de medo, o sexo também aparecia como uma válvula de escape emocional. Essa claustrofobia gerava uma paranoia social que alterou comportamentos. Essa paranoia de certo modo ainda existe.

Por que localizar o romance no bairro de Cinco Esquinas, hoje um local degradado da cidade de Lima?

É um bairro que marcou meu início no jornalismo porque, naquela época, quando eu tinha 16 anos e trabalhava no “La Crónica”, Cinco Esquinas era um local boêmio, onde se escutava música criolla, onde se buscavam aventuras.

Estive lá na semana passada. Mudou muito ao comparar com a descrição que está no livro…

Sim, Lima era toda mais homogênea no passado. Esse era um bairro onde famílias ricas moravam, onde algumas embaixadas estavam instaladas. Depois, foi virando um local perigoso, tomado pelo narcotráfico, pela violência. Mas há uma beleza visual, da decadência da Lima antiga, com o comércio popular e, infelizmente, com a pobreza. Mas antes, Lima não era assim tão desigual. Os bairros ricos, hoje a região de Miraflores ou Barranco, se pareciam com os bairros pobres.

A ideia de um local numa cidade que possui cinco esquinas também parece ser parte de um jogo, por ser muito inusual.

Sim. Porque em geral isso não existe. É uma aberração que temos em Lima e que sugere um labirinto ao estilo de Jorge Luis Borges (1899-1986). E uma ideia de muitos caminhos que se entrecruzam é sedutora para imaginar um romance.

Em seu livro “El Pez en el Agua” (1993), que conta entre outras coisas os bastidores da sua campanha eleitoral de 1990, você falava do perigo dos populismos, usando o exemplo da gestão do então presidente Alan García. Desde então, a América Latina mudou muito?

Nós infelizmente não nos curamos do populismo. Ele segue fazendo estragos em vários países. Hoje temos o exemplo extremo da Venezuela, onde o populismo vem se mostrando em sua forma mais atroz. Naquela época, quando Alan García falava em estatizar várias coisas, em candidatar-se novamente, em projetos de várias gestões seguidas, eu senti esse perigo surgindo no Peru. Foi um dos fatores que me levaram a candidatar-me.

O sr. se arrepende?

Não, porque aprendi muito com essa experiência e hoje ela já forma parte da minha história. Me candidatei empurrado pelas circunstâncias, é o que conto nesse livro. E, no final das contas, as coisas que propusemos na campanha acabaram sendo adotadas depois de Fujimori. As ideias de livre mercado que apresentamos são, hoje, em linhas gerais, as que foram adotadas pelo Peru democrático, e com respeito a elas creio que existe um consenso na sociedade de que é o melhor caminho para o crescimento do país.

Mas qual foi a principal lição de ter sido candidato?

A de que a política é algo muito diferente do que pensamos quando estamos do lado de fora dela. O que acontece quando você enfrenta uma campanha eleitoral é que, depois disso, se torna muito pragmático ao encara-la. Há uma diferença em viver a política na pele, nas ruas. Hoje sou uma pessoa muito mais pragmática em relação às minhas ideias e desconfio de abordagens demasiado intelectuais, demasiado teóricas.

Nesse sentido, o que acha da atual crise brasileira?

O que o Brasil está vivendo é algo muito interessante. Vimos aí nos últimos anos um populismo que foi muito tolerante com a corrupção. Mas também vimos muitos protestos e indignação saírem a luz, de forma inédita e espontânea. Isso é muito positivo. A autocrítica que o Brasil está fazendo é terrível, mas muito necessária e eu espero que seja imitada por outros países. Sou otimista com o futuro, vejo um Brasil mais aperfeiçoado, com uma democracia melhor depois que isso passar.

E o que acha que deu errado? Até pouco tempo atrás estavam todos elogiando o modelo brasileiro, as mudanças sociais, a melhora na economia.

Creio que houve um endeusamento do PT e de Lula, especificamente, que virou um Messias, foi santificado pela população e pela opinião pública internacional. E agora estamos vendo que não era bem assim. E não tem mesmo de ser assim. Com o que temos de nos preocupar é em melhorar nossas instituições, em aperfeiçoar nossas democracias. Não em endeusar líderes.

O sr. é a favor do impeachment?

Se ocorrer pelas vias legais, se houver um julgamento justo, sim. Não conheço os aspectos técnicos, mas creio que, se a lei prevê o impeachment no caso de um governo ineficaz ou corrupto, e se esse governo se confirmar corrupto após ser julgado de uma forma justa, creio que essa lei tem de ser usada. E mais, tem de ser também acatada, porque isso é a democracia.

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