ACIDENTES DE PERCURSO

O vice-presidente Michel Temer jura ter sido acidental o vazamento do áudio em que revela seus planos como presidente. Ainda uma vez aquilo que a crise do impiche tem revelado: os políticos tentam explicar o acessório e ignoram o principal, vício arraigado no seu convívio com os eleitores, sempre tratados como tolos.

Temer pode formular planos como presidente, conversar em circuito fechado sobre eles, mas em absoluto pode divulga-los, ainda que em gravação para consumo de poucos. Como disse na carta chorosa para Dilma, verba volant scripta menta, as palavras voam e a gravação fica. Nosso vice mais uma vez mordeu a língua.

Hoje no Brasil não existem segredos que resistam à permanente vigilância da imprensa e da turma do varal, o pessoal dos grampos, oficiais e oficiosos. Nosso vice, sempre na gangorra, numa ponta ele, noutra, Dilma, quer passar a impressão de que a gravação foi acidental, sem maior consequência ou intenção mais ambiciosa.

Não fosse sua movimentação nos últimos tempos compraríamos a explicação: Temer exercitava a oratória, prática inocente para futuro indefinido. Não cola. Gravação e vazamento acidentais são desculpas esfarrapadas. Como nossa política tem sido maliciosa, obscena, ocorre-me comparar com o episódio que ouvi, também malicioso, menos obsceno.

A filha apareceu grávida, a barriga ia adiantada. A indignação da mãe crescia a cada desculpa da filha. Chegou ao limite quando esta jurou que a gravidez tinha sido ‘acidental’. “Sim”, disse a mãe, “você viu aquela coisa grande no chão, resolveu pular para fugir e acabou caindo em cima”.  O acidente produziu um filho. O áudio de Temer também.