18:50Trevas

de José Maria Correia

Esta noite cairão  sobre mim as trevas.
Meu rosto estará manchado de cinzas.
E minha alma redescobrirá antigas lágrimas,
Estarei crucificado como o Senhor.

Haverá um silêncio na madrugada
Em meus olhos cor de chumbo
A memória de minha infância
Será a da Via Dolorosa e dos
Sinos dobrando em solene luto.

E das  rodas das carroças sobre
As negras pedras das ruas seculares.
E o cortejo fúnebre ao som
Das preces e das terríveis matracas
Da morte sem piedade no Golgota
Do lamento das carpideiras e dos passos
Dos homens encapuzados tendo
Aos ombros o andor do Cristo
 Braços estendidos  sobre o lenho.

As chibatas rasgando as costas
Dos penitentes e os trapos das camisas
O terror no imaginario infantil
O pavor dos estigmas nas mãos
E o medo na solidão do cinema,
O filme antigo na sala vazia
Marcelino, Pão e Vinho.

As tias em seus vestidos negros
Ajoelhadas nos oratórios iluminados
Por castiçais de prata e velas de cera.
A expressão de dor nas faces
Dos santos em seus altares isolados
Sobre os ossarios ocultos nas catacumbas
Das catedrais em suas naves
Como imensos úteros em ventres
Maternos.

E o flagelo cruel à me assombrar
Década após década, interminável
Com essa tristeza atávica
E essa melancolia iberica e lusa
Trazida pelos ancestrais perdidos
Através dos oceanos e dos mares
Que se misturou ao banzo dos negros
Africanos em minhas veias abertas
No sincretismo e no louvor a Oxalá .

Essa procissão do Vale das Sombras
Que me persegue há tantas décadas
Em noites insones sem fim
Essa culpa atávica e esses pecados
Que me torturam e angustiam
E que nunca desejei nem mereci
São os martírios no meu existir
Que surgem para permanecer em conflito
Como desesperos espirituais ,sem cura
Na Sexta Feira da Paixão, em minha
Vida e em meus sonhos de perdição .

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