10:46Johan Cruyff, adeus

Da Folha.com

Cérebro da Laranja Mecânica, Johan Cruyff morre aos 68 anos

O holandês Johan Cruyff, 68, morreu nesta quinta-feira (24). Ele lutava contra um câncer no pulmão. A doença havia sido diagnosticada em outubro de 2015.

A morte do holandês foi confirmada em um comunicado na página do ex-jogador. “Em 24 de março de 2016, Johan Cruyff (68) morreu pacificamente em Barcelona, cercado de sua família após uma dura batalha contra um câncer. É com grande tristeza que pedimos que você respeite a privacidade da família durante este tempo de pesar”, registrou o comunicado.

Cruyff iniciou a carreira no Ajax, em 1964, com apenas 17 anos. Ganhou destaque no início da década seguinte, ao ser o líder do Ajax tricampeão europeu (1971, 1972 e 1973).

Em agosto de 1973, se transferiu para o Barcelona. Na época, Cruyff era o detentor do prêmio Bola de Ouro, concedido pela revista France Football ao melhor jogador da Europa.

Principal jogador da seleção holandesa na Copa do Mundo-1974 —time que ficou conhecido como “Laranja Mecânica”—, ele imortalizou a camisa 14. Mesmo com a derrota na final para a anfitriã Alemanha Ocidental, Cruyff deixou o torneio sendo chamado por alguns de “Pelé Branco”.

Em sua carreira, Cruyff vestiu ainda a camisa de Los Angeles Aztecs, Washington Diplomats, Levante e Feyenoord, onde encerrou a carreira em 1984.

Após encerrar a carreira de jogar Cruyff dirigiu o Ajax e o Barcelona. Ele levou o clube espanhol ao tetracampeonato nacional entre 1990 e 1994, além do titulo inédito da Copa dos Campeões da Europa, em 1992.

Fumante inveterado durante o período de jogador, o holandês só largou o vício em 1991, quando passou por cirurgia no coração. A partir de então, se dedicou a campanhas contra o tabagismo.

“O futebol me deu tudo o que eu tenho nesta vida, e o cigarro quase me tirou tudo”, sentenciou ele.

Cruyff, o mais tático de todos os jogadores

por Rodrigo Bueno

Dizem que todo jogador de futebol holandês é contestador e questiona sempre o porquê de fazer isso ou aquilo. E dizem que Cruyff foi o melhor de todos os jogadores holandeses.

Cruyff, 68, morreu nesta quinta-feira (24). Ele lutava contra um câncer no pulmão. A doença havia sido diagnosticada em outubro de 2015.

O gênio da camisa 14. O “Pitágoras de chuteiras”. O craque que mais pensou e revolucionou o futebol.

Cruyff nunca pôde ser entendido apenas como um jogador nem só como um treinador. E isso nem quando jogava nem quando treinava. Ele foi completo, múltiplo, total.

Não havia figura melhor que Cruyff para representar em campo os pensamentos revolucionários de Rinus Michels, o mentor do Futebol Total, imortalizado no famoso Carrossel Holandês.

Magro até no apelido, o melhor dos jogadores europeus (Franz Beckenbauer atesta isso) começou a jogar no Ajax ainda aos 10 anos. Sua mãe trabalhava no clube, limpando vestiários, e comandava uma família sem luxo na periferia de Amsterdã, pertinho do Ajax.

Quitandeiro, o pai de Cruyff morreu por conta de um problema cardíaco quando o craque tinha apenas 12 anos. Apesar disso, Cruyff (que dizia conversar com o pai mesmo após a sua morte em momentos de dúvida), fumou durante sua carreira toda e só abandonou o cigarro em 1991 após passar por uma cirurgia no coração.

Esse foi o segundo vício de Cruyff, pois o primeiro foi mesmo a bola. Jogava mais do que fumava. E olha que ele fumava cerca de 20 cigarros por dia, uma transgressão para um esportista que virou modelo de vitalidade de tanto que participava do jogo.

“O futebol me deu tudo o que eu tenho nesta vida, e o cigarro quase me tirou tudo”, sentenciou ele no momento em que resolveu abraçar campanha contra o tabagismo.

Sempre esteve abraçado com o bom futebol e com o que não era exatamente o convencional, tanto que soube lidar como nenhum outro com a genialidade de Romário, dentro e fora da área.

Cruyff seria também o que se convencionou chamar de centroavante. Mas ele defendia, armava, driblava e, acima de tudo, pensava. Dentro e fora de campo. Não se contentava com o resultado, só queria que sua ideia vencesse. Não se satisfazia com o fim, preocupava-se muito mais com os meios.

Quando o futebol holandês começou a revolucionar o esporte, no início dos anos 70, Cruyff adotou a camisa 14. Nada de 9, número de centroavante, nem de 10, que virou sinônimo de craque a partir de Pelé.

Foi com a 14 que ele jogou sua única Copa, em 1974 (e foi com ela que ele foi chamado por alguns de “Pelé branco”). Seria o melhor jogador do Mundial da Alemanha e entraria na seleção ideal de todas as Copas apenas por sua participação brilhante numa única edição do torneio.

Todos os outros dez craques desse esquadrão dos sonhos da Fifa jogaram mais de uma Copa, e quase todos, como Pelé, Maradona e Beckenbauer, conquistaram a taça. Cruyff ganhou muito, mas não a Copa. Azar do futebol.

Cruyff tinha um repertório vasto de jogadas, costumava buscar a bola no campo de defesa, caía pelos lados, dava carrinho, batia lateral, circulava pelo campo como se não tivesse posição. E só a tinha mesmo no papel.
Na teoria e na prática, ele era tudo.

Em cada partida, jogava 85 minutos para o time e cinco minutos para si, como ele mesmo se permitia. Tinha a exata noção do que acontecia em campo com todos os outros companheiros de equipe e analisava com frieza as ações do adversário.

Poucas vezes se viu tamanha liderança e consciência do que era feito em campo. Era técnico mesmo como jogador. E era jogador dos mais técnicos.

Aplicava nos marcadores um drible tão característico que esse até levou seu nome: “Cruyff Turn”. Basicamente, ele fingia chutar ou passar a bola e saía pelo lado do adversário fazendo um giro de 180 graus, movimento que ficou consagrado no jogo da Holanda contra a Suécia na Copa de 1974. Simples, como ele fazia parecer. E ele fazia o difícil parecer simples.

Exemplo mais bem acabado de futebol moderno, Cruyff foi seduzido pelo Barcelona em 1973, virando naquele momento o jogador mais caro da história (cerca de US$ 2 milhões). O Ajax havia acertado verbalmente vendê-lo para o Real Madrid, mas Cruyff, diferentemente de Di Stéfano, escolheu o Barça. Foi um casamento tão perfeito como o que ele teve com sua mulher, Danny Coster.

Cruyff, em outro casamento bem-sucedido com Rinus Michels, tirou o time catalão da fila que vinha desde 1960 na Espanha e moldou o famoso estilo de jogo do clube, algo que perdura até hoje.

No título da temporada 1973/74, com direito a um épico 5 a 0 no Real Madrid em pleno Santiago Bernabéu, ele e Michels exportaram de vez o conceito de Futebol Total.

O Barcelona beberia quase sempre depois na fonte desse estilo dinâmico e vistoso de jogar futebol, usando-o com o próprio Cruyff, com Rijkaard e com Guardiola como técnicos.

A influência de Cruyff tanto no Barcelona quanto no Ajax nunca mais deixaria de existir. A sombra do craque é eterna nesses dois clubes tão históricos, símbolos de arte e excelência no futebol. Crítico ácido, inclusive como colunista, ele não poupava palavras para atacar os que atentavam contra a filosofia de jogo na qual ele sempre acreditou. Nunca baixou suas bandeiras.

Não teve dúvidas nem em optar pela seleção espanhola na final da Copa de 2010 contra a sua Holanda porque, na sua exigente visão, apenas a Espanha levava a campo naquele momento, com seu envolvente tiki-taka, o seu legado.

Guardiola, Arsène Wenger, Roberto Martínez… Cruyff é uma referência para muitos, uma escola de futebol ou, melhor dizendo, uma universidade. Ele lançou uma fundação, claro, mas deixou sua lição mesmo com o Johan Cruyff Institute, que nasceu para ensinar e inspirar esportistas.

“Nada do que vemos no futebol teria sido possível sem a chegada, o carisma e o talento inigualável de Johan”, filosofa Guardiola, o pupilo de Cruyff que ousou superar o mestre em número de títulos no Barcelona.
Michel Platini, que o igualou em Bolas de Ouro (três), já disse que ninguém o influenciou mais que Cruyff e que esse holandês voador estaria acima de Pelé e Maradona.

Gênio e genioso. Complicado como o próprio nome. Mesmo quem não gosta de Cruyff e de suas ideias, deveria estudá-lo. E talvez entendê-lo. Pois entendê-lo é entender muito do que é o futebol moderno.

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