8:11Aborto e drogas

A defesa do direito ao aborto peca pelo tom libertário, assim como a da legalização das drogas, por vezes, parece esquecer da dependência trágica do vício. (Fernanda Torres)

*Confira íntegra do artigo publicado na Folha de S.Paulo:

Aborto

Toda geração tem o seu. O da minha atendia pelo nome de Dr. Chaim.

Dr. Chaim mantinha um consultório no Leblon, e era para lá que as meninas iam cada vez que a liberdade recém-adquirida de trepar na adolescência acabava numa gravidez indesejada.

Ainda não existia a Aids, esse complicador.

Terminado o procedimento, as pacientes eram dispostas em cadeiras reclináveis, numa pequena sala comunal, à espera de que recobrassem os sentidos.

Um amigo enfrentou o dia fatídico e presenciou dois ataques histéricos na sala de recuperação. Assustadas com o peso e o caráter criminoso da decisão, as moças muitas vezes acordavam aos gritos da cirurgia.

Não conheci o Dr. Chaim, mas passei por dois abortos espontâneos e tomei a pílula do dia seguinte.

Em todas as ocasiões, senti algo parecido com dar um cavalo de pau num Fenemê acelerado. Uma vez fecundado, o óvulo se apodera do corpo, enviando ordens para o centro nervoso da gestante, a fim de garantir a imortalidade do DNA egoísta.

Indivíduo, desejo, livre arbítrio, tudo o que prega a cartilha de direitos civis passa para terceiro plano.

Vômitos, suadouro, depressão, medo, tristeza, vazio são alguns dos sintomas que experimentei.

Por isso, percebo algo falho nos slogans das campanhas pró-aborto, que afirmam que a mulher é livre para fazer o que quiser do próprio corpo. Uma gestação envolve, no mínimo, o parceiro, além de um misterioso terceiro elemento chamado embrião.

Não sei se há consciência no embrião, mas existe a vontade.

A defesa do direito ao aborto peca pelo tom libertário, assim como a da legalização das drogas, por vezes, parece esquecer da dependência trágica do vício.

É nesse ponto que a bancada conservadora se sobressai, ao se firmar como guardiã da vida, ignorando fato de que a imaculada pauta escamoteia o fracasso da política antidrogas e o mercado clandestino de aborteiros de plantão.

Sou favorável à regulamentação do aborto pelo mesmo motivo que defendo a legalização das drogas. Sua proibição acarreta mais danos do que benefícios à população.

Mas uma coisa é liberar a droga, outra é se libertar da droga. Uma coisa é legalizar o aborto, outra é controlar o sexo sem camisinha, é criar horizontes para crianças sem perspectiva de futuro.

Choca assistir ao encaminhamento de propostas ao Congresso que visam retroceder no direito ao aborto para mulheres vítimas de estupro, enquanto leis que restringem o comércio de armas se veem ameaçadas pelos interesses da indústria bélica.

É a lógica distorcida, tão bem definida em “Haiti”, de Gil e Caetano, sobre o Papa que vê tanto espírito em feto e nenhum no marginal.

O aborto, no Brasil, esbarra em crenças e convicções inarredáveis; um embate sem solução, entre ciência e religião, para precisar o momento em que a intervenção cirúrgica maquia um assassinato.

Por ora, aprovar o uso da pílula do dia seguinte já diminuiria, e muito, o sofrimento de inúmeras mulheres que arriscam a saúde em clínicas ilegais.

O lobby dos fármacos, tão poderoso quanto o das armas, poderia exercer uma pressão maior sobre o plenário do que a retórica em torno da liberdade individual.

Pragmatismo econômico no lugar de ideologia. É triste, mas é a norma do século 21.

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4 ideias sobre “Aborto e drogas

  1. Diogo Almeida

    Poxa, na hora que li o início achei que a Fernanda Torres (uma senhora, bela atriz, porém de ideais insanos) teria “tomado jeito”, aprendido com a experiencia. Cheguei a achar que viria um texto de arrependimento por tantas besteiras “ideológicas” ja ditas pela bela atriz. Mas não, errei… Os globais realmente vivem em um mundo alheio a realidade. Sempre tentam se colocar como neutros, nas vãs tentativas de enrolar seus admiradores(principalmente os ex admiradores). Neste artigo, tentando se colocar como isenta, como critica do aborto e das drogas…Faz justamente o contrário…Se coloca plenamente a favor do aborto, das drogas, critica aqueles “malditos conservadores” que teimam em pensar diferente. Coloca a questão de armas no artigo(alias, uma questão que ja deveria ser revista, pois os bandidos estão armados até os dentes, as policias não dão conta e os pagadores de impostos, os que cumprem as leis e os que moram nas partes mais pobres que estão se f….sem direito a defesa). Um artigo obscuro, com a cara destes “velhos” e ultrapassados “inteligentinhos”. Que ja causaram mortes aos bilhões, e ainda tentam manter a velha linha de ideais. Gente que, além de tudo, fazem uma critica aos seus para bater nos outros. O tempo desta gente ja passou. Vocês envelheceram. O Brasil carrega 70 mil homicídios, uma pancada de assaltos e outros crimes diários, uma saúde e uma educação asquerosas, um elevadíssimo número de dependentes, e muitas crianças abandonadas por causa dos bons ideais desta gente. Se aposentem. Fernanda Torres, Paulo Betti, Chico Buarque, Caetano Velozo, Greg Duvivier, Camila Pitanga (vem para Caixa), et caterva…O que vocês falam, o que a maioria dos jornalistas, das beautiful people, do globonews e tutti quanto falam, não convence mais…A realidade bate a porta. Os fatos colocam vocês contra a parede. O Brasil está mudando (vai demorar muito, mas começou). E vocês, bom….continuem falando, que serão ignorados….

  2. Diogo Almeida

    Adendo…A prova maior da frauda da atriz está na acusação que querem tirar o “direito do aborto” daquelas mulheres” que sofreram estupro…. ”
    Esta é a prova da delinquência maior do artigo, justamente porque uma mentira asquerosa, falsa…Como a atriz não é uma ignorante, teve estudo, acredito que fez isto por má fé….Deveriam cobrar da atriz, tanto a Folha, como aqueles que replicam seu artigo: Aonde se encontro em qualquer projeto de Lei, que o aborto vai ser proibido, inclusive em caso de aborto.
    Não existe…É uma mentira asquerosa. Mesma mentira que os baderneiros usaram para invadir escolas em SP, mesmo estilo de delinquência que usam para desarmar as pessoas, mesma delinquência que usam para defender a presidanta.

    Brasil, O País dos Delinquentes…Vivemos no Estado de Demência…(mas vai mudar)

  3. Fausto Thomaz

    Até tinha uma certa admiração por essa idosa senhora, mas devido à pouca vergonha que ela proporcionou na ultima novela, colando velcro com outra senhora idosa global, ali percebi que a falta de moralidade eh comum nesse meio Global, não sobra um.

  4. Clint Eastwood

    Enquanto não perdermos esta mania de que é preciso termos leis para tudo, lei legalizando o aborto, como se com a lei os estupros irão acabar, ou legalizando as drogas o tráfico delas vai desparecer da terra de Pindorama a nossa realidade vai mudar. A realidade que realmente precisa mudar é a do “não dá nada mesmo”, enquanto vivermos sob o Império da Impunidade. aonde a atriz global quis dizer? Nada, só aparecer.

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