7:27O naufrágio

por Mario Sergio Conti

O zika e o surto de microcefalia. A lama tóxica que desaguou no Atlântico. O estouro dos cafofos da Petrobras e da CBF. Cabeças coroadas da burguesia e do PT vendo o sol nascer quadrado em Curitiba. Está tudo junto e misturado.

É da natureza das crises amalgamar o acessório e o vital. Com isso, se firma a imagem que a barafunda atual é autóctone. Ocorre que a crise é planetária. O capital não tem pátria e o florão da América não é ilha.

A vitória de oposições na Venezuela e na Argentina, para ficar nos fatos recentes, é sintoma do esgotamento do populismo latino-americano das últimas décadas. E o petismo integrou o projeto que ora soçobra, apesar das diferenças entre Chávez-Maduro, os Kirchner e Lula-Dilma.

Os poderosos têm agido com prudência. Barack Obama recebeu Dilma Rousseff com lhaneza em julho, não disse uma palavra além do protocolar. Na sua última edição, contudo, “The Economist” foi explícita: considerou temerária a deflagração do impeachment.

Para ela, a bandeira da moralidade, que justificaria junto à opinião pública a destituição da presidente, ficou maculada. Porque foi o corsário Eduardo Cunha que acendeu o pavio. A luz amarela emitida pela revista, que serve de farol para a grande finança local, fez com que os bancos ancorados na Avenida Faria Lima negassem fogo na hora H.

A cautela imperial leva em conta a chalupa Lula, alvejada mas barulhenta. Caso “o cara” consiga escapar da Lava Jato, chegará às eleições de 2018 em condições de atirar a torto e a granel.

O ideal teria sido continuar esburacando o casco do Planalto com pautas-bomba e seguir no cerco ao ex-presidente. Ver o governo e Lula irem a pique sem deixar saudade.

A derrubada de Dilma não é indiferente. Sobretudo para quem teve ganhos reais no salário nos últimos treze anos. Para quem conseguiu casa própria ou teve acesso ao Bolsa Família. Para as mulheres que compraram micro-ondas a crédito, atenuando a dupla exploração do trabalho formal e do doméstico.

A vida material é o que conta mais, sempre. Mas os ganhos concretos acabaram. Nem governo nem oposição cogitam reavivá-los. A rota que traçaram é a que foi adotada em outros oceanos, aliás sem resultado: austeridade. Querem afrouxar leis trabalhistas, tesourar aposentadorias, podar amparos estatais, aumentar tarifas, demitir às baciadas.

A queda já ocorreu. Porque PT, PSDB e PMDB adotaram a mesma divisa: nada pelo social, o Brasil não cabe no Orçamento da União. Os pobres devem se conformar, devem gramar de sol a sol como motoboys. No dia de São Nunca os partidos verão o que fazer com ônibus, hospitais e escolas. Dane-se o sofrimento social. Naufragar é preciso.

A crise então cabe no lema punk “no future”. O futuro é o passado perpétuo: a conciliação conservadora dos bacanas, a casta parlamentar incrustada como craca nas ruínas do Estado, a política vista como gerência de negócios.

O povo foi condenado às galés e o Brasil, coletividade imaginária, regrediu à Nova República de José Sarney. Por isso, a vibração cívica desses dias é postiça. Ela não atenua a depressão que se espalhou como lama tóxica.

Só se deleita a gente surda e endurecida. Porque a pátria, como diria outro náufrago, Camões, está metida no gosto da cobiça e da rudeza, de uma austera, apagada e vil tristeza.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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3 ideias sobre “O naufrágio

  1. Clint Eastwood

    Meu Deus que horror, o que fizeram com Pindorama? E a esperança desapareceu? Vamos correr para onde agora? O sonho acabou e agora vivemos um pesadelo só? Mas a nossa realidade desde o Descobrimento sempre foi esta, teve muitos nomes, Brasil Colônia, Império, República Velha e até Nova República, e qual República vivemos hoje? A dos Ratos e Ladrões? Para mudar as coisa precisamos refundar o País e a República, do jeito que está o futuro será impossível.

  2. Jorge Armado

    Os tucanos, capitaneados por homens sérios e impolutos, como Aecio Neves e Beto Richa, vão salvar o Brasil. Pode confiar!

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