8:49A deslegitimação de um sistema político

por Elio Gaspari

Estava tudo planejado. Nestor Cerveró conseguiria um habeas corpus, atravessaria a fronteira com o Paraguai, tomaria um jatinho Falcon e desceria na Espanha. Deu errado porque Bernardo, o filho do ex-diretor da Petrobras, gravou a trama do senador Delcídio do Amaral e a narrativa de sua conversa com o banqueiro André Esteves. Depois do estouro, estava tudo combinado. Em votação secreta, o plenário do Senado mandaria a Justiça soltar Delcídio, ou talvez o transferisse para prisão domiciliar num apartamento funcional de Brasília. Deu errado porque a conta política ficou cara e sobretudo porque o ministro Luiz Fachin ordenou que a votação fosse aberta.

A Operação Lava Jato, com seus desdobramentos, está chegando ao cenário descrito há 11 anos pelo juiz Sergio Moro num artigo sobre a “Operação Mãos Limpas” italiana. Ela deslegitimou um sistema político corrupto.

É isso que está acontecendo no Brasil. Na Itália, depois da “Mãos Limpas”, o partido Socialista e o da Democracia Cristã simplesmente desapareceram. Em Pindorama parece difícil que a coisa chegue a esse ponto, mas o Partido dos Trabalhadores associou sua imagem a roubalheiras. Já o PMDB está amarrado ao deputado Eduardo Cunha, com suas tenebrosas transações. O PSDB denuncia os malfeitos dos outros, mas os processos das maracutaias ocorridas sob suas asas estão parados há uma década.

A Lava Jato criou o primeiro embate do Estado brasileiro com a oligarquia política, financeira e econômica que controla o país. Essa oligarquia onipotente vive à custa de “acordões” e acreditava que gatos gordos não iam para a cadeia. Foram, mas Marcelo Odebrecht não iria. Foi, mas os políticos seriam poupados e a coisa nunca chegaria aos bancos. Numa mesma manhã foram encarcerados o líder do governo no Senado e o dono do oitavo maior banco do país. Desde o início da Lava Jato a oligarquia planeja, combina e quando dá tudo errado ela diz que a vaca vai para o brejo. Talvez isso aconteça porque ela gosta do brejo, onde poderá comer melhor.

Eduardo Cunha ainda acredita que terminará seu mandato. Sua agenda de fim do mundo desandou. A doutora Dilma Rousseff continua achando que não se deve confiar em “delator”. Lula diz que Delcídio fez uma “grande burrada”, mas não explica qual foi a “burrada”.

Nunca é demais repetir. O artigo do juiz Moro está na rede. Chama-se “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Lendo-o, vê-se o que está acontecendo e o que poderá acontecer.

COINCIDÊNCIAS

Lula é amigo de José Carlos Bumlai, pai de Fernando, marido de Neca, filha de Pedro Chaves dos Santos, o suplente que deverá assumir a cadeira de senador de Delcídio do Amaral, que discutiu o resgate de Nestor Cerveró com André Esteves, que comprou a fazenda Cristo Rei, de José Carlos Bumlai, que tomou R$ 12 milhões no banco de Salim Schahin, cuja empreiteira associou-se à Sete Brasil, presidida por João Carlos Ferraz, que era amigo de Lula.

TRINCA

É difícil acreditar que Delcídio e o banqueiro André Esteves estivessem numa operação solo.

Esteves não entrou na aventura da Sete Brasil porque estava distraído. Delcídio, por sua vez, sempre foi um suavizador de encrencas petistas.

Em 2006 ele contou a Lula que Marcos Valério, o tesoureiro do mensalão, ameaçava fechar um acordo com o Ministério Público. Lula ficou calado. Delcídio voltou ao assunto e desta vez Nosso Guia falou: “Manda ele falar com o Okamotto”.

Paulo Okamotto é o fiel escudeiro de Lula.

VEM MAIS

Em setembro o empresário Fernando de Moura, amigo do comissário José Dirceu, passou a colaborar com as autoridades. Seus depoimentos deverão provocar o aparecimento de um novo colaborador que teria se prontificado a contar o que sabe.

O companheiro sabe bastante. Tinha uma empresa de construção em São Paulo e escritório vizinho a uma sede do PT. Juntou-se a um projeto de gasoduto da Petrobras e associou-se a uma grande empreiteira. Como não podia deixar de ser, foi chamado pela Sete Brasil para operar navios-sonda.

Seria um caso exemplar de colaboração oferecida.

FACA NOS DENTES

O voto da ministra Cármen Lúcia na reunião do Supremo Tribunal Federal que determinou a prisão de Delcídio do Amaral e André Esteves -“o escárnio venceu o cinismo”- mostra que ela está com a faca nos dentes.

Em setembro do ano que vem, Cármen Lúcia assume a presidência do Supremo, com mandato de dois anos.

A ROTA DE ARIDA

A sorte foi malvada com o economista Persio Arida quando ele escolheu os banqueiros com quem se associou.

Depois de ter presidido o BNDES e o Banco Central, Arida foi para a iniciativa privada. Ligou-se ao banco Opportunity, de Daniel Dantas, o poderoso mago da privataria tucana. Arida deixou o Opportunity em 1999. Em 2004 Daniel Dantas foi preso durante a espetaculosa e malfadada Operação Satiagraha, conduzida pelo delegado Protógenes Queiroz, que mais tarde viria a ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal por vazar informações sigilosas.

Em 2008 Arida associou-se a André Esteves no BTG Pactual. Com a prisão do novo mago, assumiu o comando do banco.

BANQUEIROS

No século passado o banqueiro Walther Moreira Salles comprou uma fazenda em Mato Grosso. Tinha como sócios os irmãos David e Nelson Rockefeller. Iam às matas da Bodoquena para caçar onças. David completou 100 anos e é um ícone da finança mundial. Nelson foi vice-presidente dos Estados Unidos.

Neste século o banqueiro André Esteves também comprou a fazenda Cristo Rei, no pantanal de Mato Grosso. Ela foi vendida pelo pecuarista José Carlos Bumlai. Lula gostava de pescar na Cristo Rei. Esteves e Bumlai estão encarcerados.

Não se fazem mais banqueiros como antigamente.

A UTILIDADE DA MEMÓRIA DE MARCOS VALÉRIO

As investigações da Lava Jato indicam que as petrorroubalheiras e o mensalão compõem uma história só. Por exemplo: o banco Schahin emprestou R$ 12 milhões a José Carlos Bumlai em 2004, antes que a palavra “mensalão” entrasse no vocabulário político nacional. O dinheiro, como o dos empréstimos tomados pelo publicitário Marcos Valério, destinava-se ao PT. Na sua fúria arrecadadora, o comissariado ainda operava com personagens de segunda, mas já vendia facilidades na Petrobras. A Schahin levou um contrato de US$ 1,6 bilhão para operar um navio-sonda.

É possível que Marcos Valério reapareça. Ele está na penitenciária de Nova Contagem (MG), condenado a 37 anos de prisão. Já pagou três. Vive só numa cela e dedica-se a pintar quadros medonhos.

Se ele tiver algo a contar, com provas, poderá negociar um acordo com o Ministério Público. Caso a Viúva revele interesse na sua memória, Marcos Valério pode conseguir uma passagem para o regime semiaberto.

 

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4 ideias sobre “A deslegitimação de um sistema político

  1. Diogo Lima

    Este artigo do Aiatoelio Gaspari é a prova da falência do nosso Brasil. A maior mostra que, tirando o marketing, nossa Justiça se encaminha cada vez mais para um lado obscuro. Como ter esperança em dias melhores se o representante da Justiça, considerado o herói brasileiro, se orgulha de ser fruto e defender a operação Mãos Limpas? O próprio Élio, autor de uma trilogia falseada em quase todos os aspectos, alterando e inventando fatos, também é prova desta tragédia. O único lugar que a operação Mãos Limpas é usada como exemplo é aqui nas terras dos bananas. A operação italiana é, já provado, a maior fraude da história. Foi criada para diminuir o número de mafiosos na disputa de territórios (igual o nefasto plano Colômbia de Clinton, que tirou o poder dos cartéis, deixando tudo na mão da Farc), para perseguir inimigos políticos e, também, para evitar a divulgação de membros da imprensa, políticos e partidos, intelectuais e empresários com a Rússia e o comunismo. Foi um genocídio de reputações, perseguições desenfreadas, para esconder a verdadeira fraude. A Itália, pós mãos limpas, continua atolada em corrupção, a maioria dos punidos eram bagres e quase todos já estão livres, tirando a mácula perante a sociedade.

    O justiceiro mor de Banania e os membros da procuradoria transformam em exemplo uma fraude, e querem que acreditemos em dias melhores?

    Basta pegarmos alguns lances da Lava Jato (que os defensores dos bons teimam em chamar tática) A procuradoria e o juiz não queriam a delação de políticos (está gravado) e se não fosse uma alma boa de dentro, ou algum advogado, os nomes dos políticos envolvidos nunca seriam sabidos por nós. Graças ao vazamento aos jornais, fazendo depois a suposta lista do Janot(que ainda não saiu) que sabemos os nomes dos politicos, entre outras coisas. Na época o juiz ficou irritado, depois transformou em algo útil (também provado).

    Gostaria de ver todos os bandoleiros respondendo por seus atos. Entre eles o líder e cachaceiro mor da Nação. Mas, com a cultura morta há décadas, com os que deveriam ser a salvação dominados pela ingenuidade, ego, vícios e burrice pura e simples, não existe futuro. As jogadas dos petralhas só são estranhas para a maioria porque os jornalistas e intelectuais estão os protegendo, ou são ignorantes mesmos.

    Não existe futuro enquanto a cultura não mudar, e com certeza a operação Lava Jato perdeu a chance. Vai punir empresários, políticos de pequeno porte e outros carrinhos.

    RIP BRASIL. RIP MAOS LIMPAS.RIP OPERAÇÃO LAVA JATO

  2. ferreira

    Diogo dias melhores para o Brasil dependerão da sociedade do bem então faça corretamente sua parte e repreenda o que estiver errado, eu defendo a operação Lava Jato e todos seus membros, é o começo sem ela nós continuaríamos na obscuridade e já com nossa bandeira vermelha. Sou patriota e nunca acreditei no país de Alice desenhado por esses comunistas .

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