8:14A música caipira, pelo melhor repórter do Brasil

Da Folha de S.Paulo

Jornalista José Hamilton Ribeiro traça panorama da música de raiz em livro

Um vistoso bigode branco denuncia: José Hamilton Ribeiro é um homem de estilo clássico. Um jornalista do tempo em que, na pequena Santa Rosa de Viterbo (SP), a rádio tocava modas em que a melancolia se emaranhava nos acordes da viola.

Cresceu ouvindo sobre a índia de cabelos negros como a noite que não tem luar; sobre um tal de Chico Mineiro que acabou baleado durante uma Festa do Divino; sobre o sertanejo que, saudoso de seu sertão, deu adeus a uma paulistinha do coração.

“Eu vivi nesse ambiente”, diz Zé Hamilton, que relança a obra “Música Caipira – As 270 Maiores Modas”, publicada em 2006 e, agora, ampliada com capítulos e dois DVDs –um documentário sobre o gênero e um musical.

“O matuto vinha para a cidade com suas crenças, seus valores, sua cultura e, de repente, sentia falta do chão”, afirma Ribeiro em capítulo dedicado ao preconceito –ato que leva à chacota, muitas vezes fazendo com que o sertanejo renegue suas raízes.A lista das 270 canções, contudo, é apenas complementar ao estudo pormenorizado do gênero que, ao longo da história, foi vítima de hostilidade da população urbana.

Apesar do preconceito, a história mostra que a origem da música caipira está intimamente ligada à gênese da nossa nação e remonta ao tempo em que portugueses avistaram o que eles chamaram de Terra de Santa Cruz.

Romildo Sant’Anna, estudioso que colabora na obra, diz que a melancolia tão comum na música caipira é “marca do exílio”: seus ancestrais são “o português degredado e saudoso; o indígena humilhado e desterrado; o africano de pele escura, amargurado pela escravidão”.

A MÚSICA CAIPIRA VIVE

É inegável que um gênero com raízes tão profundas na formação do brasileiro esteja eternizado nas vozes de ícones como Tonico e Tinoco e Inezita Barroso. Entretanto, durante a obra e em entrevista à Folha, Zé Hamilton se mostra reticente sobre a longevidade da música caipira.

“Mantê-la pura seria utopia”, diz o jornalista, referindo-se ao êxodo da população em direção à cidade. “Os brasileiros vivem hoje com pouca ligação com o campo.”

Mesmo o cantor sertanejo moderno que bebe na fonte do caipira subverte o que encontra e “cria um derivado”, diz. “São músicos que não têm ligação com o ambiente rural” e, mesmo que tomem a viola e emulem a forma de cantar, “a temática é outra”.

Talvez a música caipira esteja em decadência e novas composições sejam uma raridade, mas isso não elimina o gênero por completo. A viola “está num momento bom”, afirma o jornalista.

O maestro da Orquestra Paulistana de Viola Caipira, Rui Torneve, concorda: ele conta com 13 solistas –o mais velho tem 27 anos; o mais novo, 10. “Tem uma juventude comendo viola pelas bordas.”

DESTAQUES DA OBRA
Algumas curiosidades sobre música caipira

Primeiro disco
Cornélio Pires é um herói no universo da música caipira. Em 1929, o comerciante e agitador cultural paulistano bancou o lançamento de “Jorginho do Sertão”, considerado o primeiro disco do gênero –um 78 rotações que não era vendido, mas dado a quem comprasse de Pires uma vitrola de manivela

Pluralidade de ritmos
Música caipira não tem apenas um tipo de levada. A fonoaudiólogia e violeira Simone Sperança encontrou 22 “espécies” dentro do “gênero” caipira: arrasta-pé, cana verde, cateretê, toada, canção rancheira, valseado…

Clássico quase perdido
O compositor Renato Teixeira ficou três anos com sua criação debaixo do braço. Ninguém queria gravar. “Até que a Baixinha, que não tinha medo de cara feia, foi, gravou, fez aquele sucesso e ajudou a quebrar um pouco o preconceito.” A Baixinha era Elis Regina; a canção, “Romaria”, gravada por ela em 1977: “Sou caipira Pirapora/Nossa Senhora de Aparecida…”

MÚSICA CAIPIRA – AS 270 MAIORES MODAS
AUTOR José Hamilton Ribeiro
EDITORA Realejo
QUANTO R$ 79,90 (440 págs., além de 2 DVDs)
LANÇAMENTO qua. (25), às 19h, no Bar Brahma (av. São João, 677, tel. 11-3224-1251)
AVALIAÇÃO muito bom

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Uma ideia sobre “A música caipira, pelo melhor repórter do Brasil

  1. Ari Chamulera

    Parabéns Zé Beto matéria muito boa é importante para a maioria dos paranaenses saber sobre suas origens caipiras eu sou um deles lá de Pato Branco ha sessenta anos atras.

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