6:39O Arquiteto Cego

por Yuri Vasconcelos Silva*

Aquele espaço é sentido. Não visto. Você vaga pelos jardins adjacentes, suas solas caminham por espinhos e depois pedregulhos, seguido de fina areia, até encontrar o prazer nas ripas de madeira. No percurso, percebe suave elevação. Os veios e frisos do piso ripado apontam para uma direção que seus pés e o resto do corpo anseiam seguir. O vento sopra na mesma direção do piso. Os ruídos e odores cinzas que vêm da cidade aos poucos se esvaem. Cem milhões de pequenas fibras, esbeltas como meio fio de cabelo, apartam o exterior do interior. Esta porta sensorial atinge cada milímetro de sua pele, seu rosto, seu corpo, acariciando e provocando sensações diversas, amplificando o estado de espírito daquele momento. Quando a varredura de prazeres cessa, você já está dentro. O vento encanado agora vem por baixo e sobe longe, para o alto. Pelo menos é o que sugere os assovios que vem de cima. Cheiro úmido e som gotejante em ritmo lento sugere um jardim de água. O som é de uma ausência incômoda, que te faz perscrutar os pensamentos. São tantos e tão desconexos. No piso, contraste táctil da madeira acolhedora mas também bruta, em carvalhos vivos estirados ao chão. Você enfim encontra uma parede. Ela tem o toque de granito cru, um concreto martelado que expõe suas vísceras de britas pontiagudas, areia esfarelenta e pontinhos minúsculos de orvalho. No que parece ser o centro deste lugar, um banco. Quando se senta, sente estar no meio de um halo morno, que desce do alto. Uma auréola compassiva. Você sente o aconchego dos pés descalços na madeira, seus dedos se redobram e tentam entrar no carvalho como se fosse de areia na praia. O banco mimetiza a curvatura de seu dorso, um negativo do seu corpo. Deitado no centro de tudo, sob o holofote do sol em uma circunferência perfeita, cercado de silêncio, água em suspensão e o velho concreto, você compreende: o homem deve ser a medida de todas as coisas.

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto

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