8:42Netos e bisnetos de Niemeyer, ‘os sem mesada’, disputam herança minguada

por Eliane Trindade

“A fonte secou”, diz Vera, viúva de Oscar Niemeyer (1907-2012), inventariante do espólio do arquiteto morto há quase três anos.

Apesar do renome internacional e de ter trabalhado por mais de oito décadas ao longo dos 104 anos de vida, o patrono da arquitetura moderna deixou um patrimônio modesto e um escritório que passa por dificuldades financeiras sem o toque de Midas de seu fundador.

“Ele sustentou com seu trabalho incessante até a terceira geração”, diz o advogado Allan Guerra, que representa dona Vera e o escritório de arquitetura.

Um ex-funcionário relata que o velho Oscar pagava cerca de R$ 200 mil mensais de mesada para familiares, inclusive bisnetos na faixa de 40 anos.

Pelo menos três dos netos, todos com mais de 60 anos, faziam retiradas mensais que variavam de R$ 25 mil a R$ 15 mil, caso de Carlos Eduardo Niemeyer, o Kadu, que hoje é taxista. Já os bisnetos mais próximos recebiam entre R$ 7 mil e R$ 10 mil cada um.

“Eu só tive você, Anna Maria. Essa confusão toda foi você quem criou”, brincava Oscar com sua filha única, fruto do casamento de 76 anos com Anita Baldo (1909-2004), que morreu seis meses antes dele, aos 82 anos.

A galerista deixou quatro filhos, que são os herdeiros formais de Niemeyer. Ela é mãe de Ana Lúcia, 64, Ana Elisa, 62, e Carlos Eduardo, 61 (frutos do primeiro casamento), e de Carlos Oscar, o caçula, da união com Carlos Magalhães.

Todos, em maior ou menor grau, viveram à sombra ou da generosidade de Oscar. “Ele sempre foi muito generoso. Distribuiu sua herança em vida e ajudou não só netos e bisnetos, mas também amigos”, diz dona Vera.

Comunista histórico, Oscar deu um apartamento de presente para Luiz Carlos Prestes (1898-1990), o lendário líder comunista. Presenteou o motorista da família com uma casa que leva sua assinatura, além de ter comprado ou ajudado a comprar imóveis para todos os netos e alguns bisnetos.

 

O quinhão da viúva também foi definido em vida. Ele deixou para Vera o apartamento onde o casal vivia em Ipanema e a cobertura da avenida Atlântica, em Copacabana, onde o gênio da arquitetura moderna criou alguns de suas obras mais icônicas.

No inventário, estão listados bens como a Casa das Canoas, obra de 1952 que Niemeyer projetou para morar com a família, e uma fazenda em Maricá, interior do Rio.

“Meu avô nunca guardou dinheiro. Ele comia o que ele ganhava no dia. Sempre foi assim. Ele podia ter comprado vários imóveis pra ele, mas sempre foi uma pessoa generosa”, atesta o neto Carlos Eduardo, o Kadu.

Sem dinheiro no banco e sem o parente importante, os herdeiros agora se lançam na disputa pelo legado arquitetônico de Niemeyer, de olho em futuros projetos com a assinatura do criador de Brasília.
“A fortuna em jogo são os croquis”, diz um amigo de Oscar, que pede para não ser identificado.

No centro da disputa em torno do legado estão Vera, no papel de inventariante e à frente do Instituto Oscar Niemeyer (braço social).

De outro, está Ana Lúcia, neta que criou a Fundação Oscar Niemeyer há 25 anos (braço cultural).

Em um terceiro flanco se posiciona Ana Elisa, sócia do escritório de arquitetura e urbanismo que executa projetos em andamento levam a assinatura de Niemeyer (braço comercial).

Herdeiros Niemeyer

ARQUITETURA COMPLICADA

O tripé desenhado por Niemeyer em vida está cambaleante após a sua morte. A divisão de áreas e atribuições vem se mostrando no mínimo problemática pelo grau de dependência que os herdeiros tinham em relação ao patriarca, a quem todos chamavam de “Dindo”.

“Uma coisa era com ele, outra é sem. Tudo ficou mais difícil”, admite Jair Valera, arquiteto e sócio de Ana Elisa, que ao longo de mais de três décadas desenvolveu projetos com a assinatura de Oscar Niemeyer. “O trabalho reduziu muito. Já tivemos 20 arquitetos contratados, agora, somos cinco.”

No momento, o escritório acompanha projetos como a catedral de Belo Horizonte e a biblioteca de Argel, na Argélia, obras em andamento após a morte de Niemeyer.

A galinha dos ovos de ouro é o que pode ou não pode ser construído com a assinatura Oscar Niemeyer a partir de agora. “Ele cedeu em vida os direitos sobre o acervo para a fundação justamente para evitar disputas”, diz Carlos Ricardo Niemeyer, filho de Ana Lúcia e bisneto que administra a Fundação Oscar Niemeyer.

Vera diz que não vai se meter no imbróglio dos herdeiros. “Minha parte é manter o escritório funcionando até cumprir os contratos e chegarmos ao final do inventário”, diz a viúva. “Quanto aos herdeiros, cada um responde por si. Tento fortalecer o que eles terão direito mais tarde. Minha responsabilidade é deixar o nome do Oscar íntegro como sempre foi.”

*Publicado na coluna “rede social”, da Folha de S.Paulo

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