9:39O teto de Curitiba

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O beijo – Auguste Rodin

de José Maria Correia

Curitiba é a unica cidade do mundo que tem um teto retrátil.
É um daqueles como o do estádio do Atlético, só que imenso.
Cobre toda a cidade, desde a Universidade Positivo, no final da Ecoville, até a Serra do Mar.
O problema é que está sempre fechado, só abre raramente e em ocasiões especiais, poucos dias  durante o ano – e nunca podemos ver o céu, nada além daquela espessa camada de nuvens cinza que nunca se dissipa.
E a chuva inclemente que o nosso teto deixa passar.
Ah! mas quando o teto abre como hoje, é um espetáculo.
O sol surge nos inundando de luz e o azul invade tudo.
A vida depressa se enche de cor, as mulheres vestem vestidos curtos e os homens  tiram as camisas sóbrias e vão aos parques caminhar. Todos ficamos cordiais e falantes e os cães nos saúdam abanando os rabos .
Uma brisa sopra a alma da gente e, no parque de que falava, as capivaras nadam sem se incomodar com o jacaré ao lado.
Até esses nossos corações tristonhos se enchem subitamente  de amor e andamos sorrindo  nas ruas como crianças de antigamente.
A cidade retribui com as cores dos ipês roxos e amarelos desenhando tapetes como mosaicos nas calçadas sob nossos pés .
E aí inevitavelmente afloram nessa primavera  as paixões e os nossos sentimentos mais delicados estocados durante todo o tempo em que o teto não se abriu e a luz nos faltou.
Nossa timidez colonial se esvai e os livros de poesias deixam as estantes enquanto os versos brotam em rimas e canções entre assovios que a memória amorosa brinda.
Entre tanta gente até o Homem Nu, o gigante ao lado do obelisco da praça Dezenove de Dezembro, volta os olhos e procura a Mulher Nua que, tocada pelo encanto do  teto, o aguarda com seus longos cabelos de pedra, desejosa de um encontro.
Um encontro que também esperamos, um enlace de ternura e de amor para um longo beijo de Rodin.
Um beijo e um sexo como aqueles da juventude, primitivo e desenfreado, sem limites.
Um amor sonhado até por estátuas quando o teto de Curitiba se abre, oculto em paredes, cortinas e espelhos, mas que dorme em cada um de nós sonhando despertar e libertar-se em pecado, sob esse teto mágico  de mistérios, de traições, de desejo e de perdição.
O teto de Curitiba.

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