9:46Bem casados

por Ruy Castro

Neste fim de semana, mais casais oriundos de diversos burgos estarão se casando no Rock in Rio, com direito a juiz, buquê, arroz, padrinho e bem-casados. Para tornar a coisa mais oficial, construiu-se uma capela na Cidade do Rock. Só faltou um aposento para a noite de núpcias.

É o fracasso definitivo de uma geração –a minha, nos anos 60–, que julgava ter destruído os ritos civis e religiosos do casamento formal. Para uma garotada amamentada a Sartre, D. H. Lawrence, Henry Miller, Ingmar Bergman e Nouvelle Vague, esses ritos tinham perdido o sentido. Se duas pessoas se gostavam, deviam apenas morar juntas. E, quando a relação se desgastava, cada qual ia para um lado, sem pressão familiar, despesas de advogado e acareação com o ex-cônjuge. E os filhos? –perguntará você. Sofriam tanto quanto os dos casais casados no padre e no juiz.

A desnecessidade do casamento parecia tão estabelecida nos anos 80 que, em certo momento, os únicos interessados em restabelecê-lo eram os padres e os gays. Os padres, até por falta de quórum, desistiram. Os gays prosseguem na sua justa causa. Os demais, pensávamos, estávamos tranquilos por não termos de dar satisfações a ninguém. Ledo e ivo engano, como diria o Cony. Aos suplicantes, juntaram-se agora os roqueiros apaixonados. E se essa moda pega?

Espera-se que os casamentos do Rock in Rio façam jus pelo menos à natureza de sua, digamos, música, equivalente ao som de uma pancadaria na zona. O playback da “Marcha Nupcial” devia ser tocado pelos Ramones. O sermão do juiz, escrito por Lou Reed, com tradução do Lobão. Antes do beijo, os nubentes degustariam morcegos no altar, como Ozzy Osbourne. No lugar do fermento, os bem-casados levariam ácido.

E os convidados desejariam felicidade aos noivos fazendo aquele gesto com o indicador e o mindinho.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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