15:49A crise como álibi

por Vladimir Safatle

Nos últimos dias, o Brasil tem acompanhado os debates a respeito do que fazer diante da crise econômica na qual estamos. Uma certa narrativa parece ter se consolidado. Trata-se da imagem de um país em “fase terminal” devido ao desequilíbrio fiscal pretensamente resultante da “gastança pública”.

Neste sentido, não haveria outra saída a não ser aplicar a versão tupiniquim de um “choque de austeridade” baseado no “corte corajoso de gastos”. Mesmo esta Folha, em editorial no último domingo (13), conclamou o governo a adotar tal caminho através, entre outros, da: “desobrigação parcial e temporária de gastos compulsórios em saúde e educação, que se acompanharia de criteriosa revisão desses dispêndios no futuro”. Caso isto não ocorresse, não restaria à presidente, ao dobrar-se à crise, “senão abandonar suas responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o cargo que ocupa”.

Mas o que significa o caminho proposto? De fato, certo equilíbrio fiscal pode ser alcançado desta forma, mas a que preço? Pois há de se perguntar sobre qual país nascerá ao final deste processo de ajuste. Diria que toda reflexão sobre a situação brasileira atual deveria partir do fim, pois há fins distintos que podem ser alcançados.

Um país desigual como o Brasil e que aceitasse rever o seu padrão de gastos com serviços públicos caminharia para a precarização ainda maior das parcelas mais desfavorecidas de sua população. Como não poderá mais ter serviços mínimos de saúde e educação, a camada mais pobre terá de trabalhar mais, isto em um contexto de flexibilização e ausência de garantias de trabalho. A crise seria apenas um álibi para a intensificação da espoliação de classe.

Por isto, implementar propostas que têm circulado ultimamente, como cobrança por serviços do SUS e mensalidades em universidades públicas, significa aprofundar a espiral de miséria. Diga-se de passagem, uma crise não precisa de cortes em educação. Ao contrário, é neste momento que os investimentos em educação são mais necessários e estratégicos pois são eles que permitirão a abertura de novos caminhos para a economia. Por estas razões, não é difícil perceber que o país que sairia depois de tal “austeridade” seria um país mais desigual, mais injusto e socialmente violento.

Alguns poderiam perguntar se afinal haveria outra saída. Ela existe, mas é sempre apresentada de forma caricata e distorcida, como se fosse o caso de não permitir que o país encare a brutalidade de sua injustiça social. Pois estamos a falar de um país, como o Brasil, no qual há uma parcela da população que desconhece a crise, que neste exato momento tem seus rendimentos garantidos porque aproveita-se da valorização obscena do capital oferecida pelo sistema financeiro com suas taxas criminosas de juros.

Nosso país não é mais um país de industriais e empresários. Ele é um país de rentistas, ou seja, de gestores do capitalismo patrimonial. Um país onde uma classe vive sem trabalhar, apenas gerindo suas heranças e aplicando seu capital. Tais rentistas não conhecerão crise, assim como o sistema financeiro com seus lucros bancários recordes.

Se quisermos fazer o Brasil sair desta crise sendo um país mais justo e igualitário será necessário encarar corajosamente, na verdade, a desregulação tributária vergonhosa a que nossa população está submetida. Fala-se que a carga tributária brasileira “é a mais alta do mundo”. Eis uma pura e simples mentira. Tentem saber qual a carga de países como Alemanha e França, por exemplo.

Na verdade, o Brasil é o país que tem a carga tributária mais injusta, pois ela incide basicamente sobre o consumo e produção, não sobre a renda. Os impostos estão nos produtos que compramos. Por isto, quem ganha menos paga proporcionalmente mais. Mais correto seria taxar a renda, as heranças, as grandes fortunas, os lucros bancários, obrigando os ricos a fazerem o que não fazem no Brasil ou seja, contribuírem.

Vejam, por exemplo, toda a hipocrisia em torno da CPMF. Eis um dos impostos mais justos que este país já teve, pois incide em quem mais usa o sistema financeiro, ou seja, os mais ricos. Os mesmos que tentam vender seus interesses de classe como se fosse interesse geral da população. Uma CPMF de 0,38%, por exemplo, renderia ao Estado R$ 60 bilhões. Perguntem quanto teríamos com imposto sobre grandes fortunas (tal estudo o governo brasileiro simplesmente nunca fez, por que será?).

O que é melhor: retirar a gratuidade do SUS, levar a classe média pobre a pagar universidades públicas ou obrigar os mais ricos a arcarem com a conta da crise?

*Publicado na Folha de S.Paulo

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7 ideias sobre “A crise como álibi

  1. Moizes Braz

    Devolver o que o PT roubou, tambem não se fala em devolver.
    Fazer O Lula pagar os emprestimos feito para ditadores africanos com
    nosso dinheiro, tambem não se cogita

  2. Sergio Silvestre

    Devolver o que o PT roubou o que governos estaduais roubaram o que a juizada roubou,o que o engraxate roubou(goiabas)todo mundo rouba até o Gerome roubou.
    O que mata o Brasil é o dispêndio com salários de verdadeiros nababos,tem juiz aspone e o raios que o parta ganhando o que o estado não pode pagar,temos que deixar de ser hipócritas e ir a fundo nisso,não pode um auditor fiscal amealhar fortuna em poucos anos trabalhado e seus salários são muito altos e ainda roubam.
    Ficar aqui em Blogs comentando e dizendo dia e noite a mesma cantilena,impitim daqui e dali já encheu o saco,e tem uma raça de politico ladrão a postos para roubar mais do que roubam agora.

  3. leandro

    Alguns dias atrás manifestei uma opinião sobre o assunto de criação de impostos e da carga tributária que o brasileiro sofre.
    Nós que somos contribuintes diretos, pagamos tributos, na fonte, no caso o Imposto de Renda dos salários, e indiretamente todos pagam nas compras de bens serviço, com o IPI, ICMS, ISS, CID e ai afora sempre estamos no centro desse furacão.
    A comparação entre a carga tributária do Brasil com outros países, caberia se nós tivéssemos aqui as mesmas devoluções dos serviços públicos que Alemanha, França, Suíça, Dinamarca e outros tem.
    O governo ao procurar receitas em todo canto, comete junto com aqueles que de forma simplista acham que se pode trocar a recriação da CPMF com o corte de gastos do governo, com por exemplo: A diminuição do número de ministérios.
    Não parece ser tão simples assim, como não é somente taxar grandes fortunas e até heranças.
    Por mais que a gente saiba que a opinião pública é levada pela emoção e paixões politicas, umas de ideologia pessoal e de interesse e outras de estilos já decadentes no mundo, há que se ter cautela.
    Não adianta simplesmente aumentar tributos, crias novos tributos, cortar despesas linearmente, enfim fazer o que parece que estão fazendo se o governo que é o indutor do desenvolvimento e crescimento econômico, não fizer a lição de casa que seria criar com
    dições do desenvolvimento sustentável, criar infraestrutura, férrea, rodoviária, portuária, para girar a exportação da produção, criar atrativos ao mercado para industrias.
    Não pode o governo ser paternalista ao ponto de sob a bandeira de estatizar certas empresas , como a Petrobrás, ficar refém das bandalheiras que lá foram feitas.
    ]Se o Brasil não tiver a estruturação desses pontos, fatalmente daqui a alguns anos já estaremos com novas tentativas de outros impostos para tampar os novos buracos em nossa economia.
    O Brasil precisa se desprender desse bloco falido do Mercosul , onde tem que dividir sua capacidade de produção e exportação com países mais falidos do que o nosso, onde zero mais zero é zero.
    Desta forma, o pais está numa encruzilhada e assim procura culpados aqui internamente, com a presidente pedida, achando assustada que tudo que se fala é “golpe”, onde até pode-se imaginar que isso também não seria a solução e até poderia ficar pior. Procura justificativas no resto do mundo, na crise chinesa, nos americanos e volta a reviver a “marolinha” que o guru Lula disse numa oportunidade que nem faria onda em nossa economia. Pois não é que fez !

  4. jose

    Só um imbecil como este para escrever uma besteira como esta de que a CPMF é justa, que incide sobre os mais ricos, é fácil de demonstrar justamente o contrário, ela afeta a todos porém de forma mais perversa os mais pobres.

    Vamos usar como exemplo o feijão nosso de cada dia:
    – para plantar precisa preparar a terra, no diesel que o agricultor usa incide a CPMF, que é repassada com custo;
    – A indústria de adubos tem toda uma cadeia anterior, de matéria prima que paga CPMF, este custo é repassado;
    – O adubo pronto é vendido para um distribuidor, incide a CPMF;
    – O distribuidor vende para o comerciante, incide a CPMF;
    – O comerciante vende para o agricultor, incide a CPMF e vira custo;
    – A produtora da semente vende para um distribuidor, incide a CPMF;
    – o distribuidor vende para o comerciante, incide a CPMF
    – O comerciante vende para o agricultor, incide a CPMF e vira custo, de novo

    Vamos pular os outros custos, de herbicidas, combustivel de colheita, secagem, embalagem, etc.

    – O produtor vende o feijão para o atacadista, ao receber, vem a CPMF, que já foi pro custo;
    – O atacadista vende para o comerciante, CPMF de novo vai para o custo de novo;
    – O cidadão compra o feijão do comerciante e come o feijão com CPMF e tudo…

    E este imbecil ainda fala que o imposto é justo e que afeta só os mais ricos….

  5. Sergio Silvestre

    Somos uma nação de 200 milhões de técnicos de futebol e 200 milhões de imbecis que passam o ano discutindo politica e nada muda.

  6. jose

    Concordo silvestre principalmente porque entre os 200 milhões temos um bom número que apóia ladrões e corruptos e acredita piamente que este governo é honesto.
    A propósito, o requiao já está pulando fora do barco da dilma, vc vai pular fora já ou vai esperar mais um pouquinho?

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