6:29Um presente para Lula

por Janio de Freitas

Ganhar presente é uma das delícias, só comparável à de dar presente. Deve ser por isso que Lula se mostrou, na Argentina, tão vibrante e afirmativo como o Lula dos velhos tempos. Mas não foi um presente argentino,se bem que Buenos Aires, com sua mesa e suas livrarias, possa ser um presente por si mesma.(PS: Com boa companhia, claro).

Foi lá que Lula recebeu a notícia de que Dilma se curvava aos cortes de verbas dos chamados programas sociais e do PAC, cobrados pelos neoliberais, pelos adeptos do impeachment e pela oposição vai com as outras. Sua reação imediata foi inflamada, com centro na declarada “incapacidade de entender esses ajustes que cortam ganhos sociais e dos trabalhadores”.

Mas Lula, arguto, sabe que a face política do plano de “ajuste” pregado pela oposição e aceito por Dilma lhe é favorável. É um presente, involuntário embora, que resolve o seu mais grave problema na eventualidade de desejar candidatar-se em 2018.

São, ou eram, duas possibilidades. Caso o governo de Dilma seguisse, durante o atual mandato, na batida que teve durante a maior parte do primeiro, a próxima sucessão não seria fácil para Lula. As insatisfações deixadas mesmo pelos melhores governos, a vontade quase instintiva de mudança, um cansaço vago mais efetivo, isso influi no eleitorado depois de governos longos como quatro mandatos de mesma linhagem. Por muito menos, Lula, com todo o seu êxito, sofreu para eleger Dilma. E Dilma se reelegeu ajudada por Aécio com sua campanha desprovida de ideia, obcecado com críticas ao governo e ataques à concorrente. José Serra já sucumbira a isso mesmo, e Aécio não percebeu.

O segundo mandato de Dilma não teve a oportunidade de imitar os melhores aspectos do primeiro. Mantenha-se com ela ou passe-se a outro, está condenado a outra imitação: a do “ajuste” aplicado em Portugal, na Grécia, em menor escala na Espanha e em outras terras de povos arrochados. No começo do ano, Joaquim Levy prometia que já neste segundo semestre teríamos os primeiros “benefícios” do seu “ajuste”. Veio aumentando as exigências para o “ajuste” à medida que a situação veio se agravando: no nono mês de ajustanças, nada melhorou, nada mostrou sequer indício de melhora próxima. Esse “ajuste” vai longe.

Vai até 2017 com folga. Ano em que a sucessão presidencial se lançará, precipitada pelas ansiedades do PSDB e, forçado, do PMDB. E então Lula, se disposto a candidatar-se, será ele o candidato da mudança. Com a bandeira de restauração da luta contra as desigualdades, de retomada do crescimento industrial e do emprego, da distribuição de renda e do Bolsa Família atualizado, do Brasil no mundo com a diplomacia ativa –tudo que ele vê como seu legado perdido. Terá ganho estas bandeiras de Dilma e dos seus adversários.

E a verdade é que –está provado desde Getúlio, depois Juscelino e Jango– são bandeiras muito fortes, tão persuasivas que os três continuam vivos. Ao passo que a oposição fica na contingência de repetir José Serra, impossibilitado de propor a continuidade do governo Fernando Henrique e de adotar posições contrárias às que vinham de lá, rejeitadas por acúmulo de inflação alta, arrocho e paralisia econômica.

A decisão de 2018 será nas urnas, não no impeachment.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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2 ideias sobre “Um presente para Lula

  1. jose

    Janio só esqueceu de escrever que falta combinar com os adversários..do próprio governo mesmo, temer, jucá, renan, mercadante…

  2. Ivan Schmidt

    Creio que o Janio de Freitas esqueceu muito mais (ou faz questão de não enxergar) do que o Jose está lembrando…

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