7:04O dia em que Marte invadiu Paranaguá

por Célio Heitor Guimarães

Quase todo mundo conhece a façanha de Orson Welles, o homem que parou Nova York. Foi em 30 de outubro de 1938, quando o então desconhecido roteirista resolveu irradiar, pela Columbia Broadcasting System, a novela “A Guerra dos Mundos”, de H.G. Wells, em que um exército de marcianos invade a Terra. Welles levou-a ao ar, como se o fato estivesse acontecendo naquele momento. A Big Aple virou um caos. Mas o desatino do jovem Orson Welles transformou-o em celebridade, da noite para o dia. Ele, aliás, viria a se tornar um dos maiores gênios do cinema do século passado.

O que pouca gente sabe é que essa mesma aventura, com base na mesma obra de H. G. Wells, foi repetida aqui em Curitiba. E com absoluto sucesso. Isto é, com resultado que, se não foi idêntico ao de Nova York e não trouxe tanta fama ao seu produtor, também assustou muita gente.

O autor da proeza era um modesto bancário, então na faixa dos trinta anos, que depois do expediente comercial, dava vazão àquilo que realmente amava: escrever programas para o rádio. Seu nome: Romualdo Ousaluk. Foi produtor de inúmeras emissoras, entre as quais Guairacá, Santa Felicidade e Colombo, hoje todas desaparecidas. Mais tarde, chegou a ser o diretor artístico da TV Paranaense, hoje RPCTV, em sua fase pioneira. Mas, mesmo quando já se tornara popular, era muito mais conhecido de nome do que pessoalmente.

No rádio, Romualdo produziu inúmeros programas de grande audiência. E foi na antiga Rádio Colombo, então instalada no Edifício Pugsley, na esquina das ruas Marechal Deodoro e Monsenhor Celso, que Romualdo Ousaluk resolveu dar uma de Orson Welles. O rádio era o grande veículo de comunicação da época, e a Colombo liderava a audiência.

Corria o ano de 1959 (ou teria sido 1960? Não importa, foi por aí). Romualdo era o produtor (que, no rádio, significava escritor) de um programa semanal de ficção científica, que ia ao ar na noite de quinta-feira. Certo dia, inventou que um disco voador havia descido na cidade de Paranaguá. E, junto com Renato Mazânek, que dirigia o programa, armou todo o circo.

Era mês de agosto. Fazia frio e os chamados discos voadores cruzavam os céus do mundo, pelas páginas dos jornais. Na Rádio Colombo, uma audição radioteatral estava prevista para as 21 horas. Mas já passava das 21 e a emissora continuava a irradiar um musical variado.

Por volta das 21h10, justo no momento em que Cauby Peixoto entoava Blue Gardenia, uma edição extraordinária do noticiário noturno irrompe nos ares:

“Conforme já informamos, um objeto desconhecido foi observado sobrevoando Paranaguá. Estamos em contato permanente com o nosso correspondente naquela cidade e aguardamos novas informações” – anuncia o locutor.

Alguns momentos depois, volta o noticiarista: “Confirmada a presença de estranhos objetos voadores nos céus de Paranaguá. Um dos tais objetos teria aterrissado nas proximidades. É grande a movimentação de curiosos. Viaturas policiais já foram acionadas e estão se dirigindo para o local. Mantenham-se em sintonia com esta emissora, que a qualquer instante voltaremos a informar”.

“Num esforço de reportagem”, a emissora desloca para Paranaguá um enviado especial. Na verdade, o “repórter” é o ator Moraes Fernandes, que “transmite” do estúdio. A transmissão é propositadamente precária, com a utilização de um receptor de rádio fora de sintonia e muita contrarregra e sonoplastia.

Repetem-se ali cenas de Nova York: gente assustada, confusão, gritos, sirenes, deslocamento de guarnições do Exército e dos Bombeiros, entrevistas com autoridades e até a descrição do desembarque de um dos exóticos tripulantes da nave desconhecida.

Em Curitiba, ainda sem televisão, o alcance do rádio era enorme. O pânico foi  instalado. Aqueles que não sintonizavam a Colombo, passaram a fazê-lo. A notícia espalhou-se pela cidade. Quem ligava para a ZYS-42, encontrava o telefone ocupado. É que o aparelho foi deixado fora do gancho.

Não houve, felizmente, nenhum suicídio, mas soube-se, depois, que muita gente viajou, em desespero, para Paranaguá. De “carro de aluguel” – como se chamavam então os táxis. Pelo menos de uma pessoa tem-se nome e endereço. Era o proprietário de uma tradicional camisaria curitibana, cujo filho encontrava-se, aquela noite, na cidade do litoral paranaense.

Outras pessoas resolveram acionar a polícia. Esta despachou uma patrulha à emissora. Lá, os patrulheiros foram informados de que se tratava apenas de um programa de ficção, e convidados a assistir ao desfecho. Os policiais, então, permaneceram aguardando no corredor que levava aos estúdios e sala de operações e cujas paredes eram formadas de grandes vidros duplos.

Uma das características de Ousaluk era incluir mensagens jocosas no final dos textos. Naquele dia, anotou ao pé do “script”: “Prefixo final e vai todo mundo preso”. O sonoplasta leu o recado e, ao levantar os olhos, deu de cara com a polícia… Assustado, cortou o som do microfone do locutor, que anunciaria o término de mais um programa da série “O Mundo de Amanhã”.

Ou seja: a emissora saiu, abruptamente, do ar. E o pânico dos ouvintes aumentou. O “repórter” que transmitia “diretamente de Paranaguá”, fora, certamente, atingido por alguma descarga letal, disparada pelos ETs.

Não foi fácil convencer o público de que todos estavam bem, que nada de anormal ocorrera naquela noite, que Paranaguá continuava tranquila e pacata como sempre fora e que tudo, na verdade, não passara de uma engenhosa dramatização radiofônica, nascida do talento de um produtor chamado Romualdo Ousaluk. Desnecessário acrescentar que o fiel discípulo de Orson Welles passou os dias seguintes muito mais retraído do que de costume…

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2 ideias sobre “O dia em que Marte invadiu Paranaguá

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  2. Marcelo César Padilha

    Boa tarde Zé Beto. Sou Marcelo C. Padilha, advogado militante em Curitiba/PR, há mais de 25 anos. Venho a ser sobrinho do falecido Romualdo Sebastião Ousaluk (o correto seria Husaluk, mas o nome de meu tio foi registrado daquele modo e ele nunca se preocupou em alterar ou acrescer). Descobri esse texto seu por acaso, “googlando” o nome de meu tio. Fico imensamente agradecido pela lembrança feita, pois poucos conhecem, realmente, seu nome, embora ele tenha trabalhando ativamente nos bastidores do rádio e da incipiente televisão curitibana e paranaense. Pessoa de notável caráter e extrema capacidade intelectual, devorava livros como pratos de comida. Foi dele que herdei todo apreço pela ficção científica, traduzida em incontáveis livros e revistas que ele tinha guardado na casa de meu avô (muitos em inglês, língua que ele aprendeu ler praticamente sozinho). Ele sempre foi uma referência para para mim de como se pode conseguir quase tudo o que se sonha e quer, a partir do esforço próprio. Pena, ele nos deixou há cerca de 30 anos, num longínquo maio de 1989, após sofrer um acidente na serra gaúcha, local para onde havia se transferido muitos anos antes, e no qual trabalhava no ramo de hotelaria e turismo (na cidade de Gramado). Ainda tenho muita saudade e lembranças dos tempos em que ele voltava para Curitiba, nos Natais de cada ano, e nos brindava com contações de histórias desse mesmo tipo que você narrou aqui. Obrigado por ajudar a manter a lembrança dele viva. Abraços.

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