6:44Aula magna de Direito Constitucional

por Ivan Schmidt

Uma reação típica de quem está à beira de um colapso nervoso transpareceu na resposta da presidente Dilma Rousseff à Folha de S. Paulo, sobre os rumores cada vez mais insistentes de hipotético afastamento da presidência da República.

A presidente, ao que parece, não conseguiu dissimular a alta voltagem emocional e a carga de ansiedade que energizam sua personalidade mercurial, prorrompendo segundo a fiel transcrição dos repórteres Maria Cristina Frias, Valdo Cruz e Natuza Nery, numa sucessão de frases curtas e cortantes: “Eu não vou cair. Eu não vou. Isso é moleza, é luta política”, apelando para o desafio de falastrões de botequim: “Não tem base para eu cair, e venha tentar”. Lembrei-me dos anos de adolescência ao ver moleques de minha idade se desafiando para a briga: “Pisa nesse risco e te sento a mão na cara!”.

Claro que a resposta de Dilma teve como motivação o recente encontro dos tucanos para a eleição do novo presidente nacional do partido (Aécio foi reeleito), e a maciça bateria de discursos sobre o impeachment. A base para esse posicionamento político está sendo oferecida hoje pelos processos de investigação a cargo do Tribunal de Contas da União (TCU), que examina as contas de 2014 do governo federal, e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobre virtuais irregularidades na prestação de contas da campanha de Dilma pela reeleição.

Talvez o destempero dilmista tenha chegado a esse tom arrogante numa tentativa de desviar a atenção da população para uma realidade que apavora qualquer governante: o exame das contas pelos órgãos competentes e prováveis irregularidades financeiras perpetradas durante campanhas eleitorais. Ela mesma admitiu que sua fala foi uma provocação a Aécio, que caiu na esparrela.

No início da semana o jornal Valor Econômico relatava que “a análise das contas do governo pelo Tribunal de Contas da União (TCU) caminha para uma decisão unânime pela rejeição”, e ministros da referida Corte ouvidos pelo jornal “já enxergam a rejeição como um caminho sem volta”.

O TCU deverá tornar público o seu parecer no próximo dia 22, encaminhando-o ao Congresso para que os parlamentares tomem novas decisões. No caso de rejeição, por exemplo, o pedido de impedimento da presidente deverá ser formalizado ao presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que tomará a decisão de abrir ou não o processo.

Por outro lado, detectadas as irregularidades apontadas pelos três processos que o PSDB protocolou no TSE, a segunda frente de batalha que Dilma enfrenta, caso os ministros confirmem a existência dos supostos desvios cometidos durante a campanha (mentira vale?), a Corte poderá determinar a cassação do diploma da presidente e do vice Michel Temer. Eduardo Cunha, que adora a ribalta e se vale de todas as oportunidades para realçar sua veleidade de habitante do Olimpo, assumiria a presidência por noventa dias convocando novas eleições ao final do período.

Na verdade, é esse o dilema de Dilma Rousseff. Cercada por uma legião de oportunistas tanto de seu partido, o PT, quanto do PMDB, classificado de “ótimo” na entrevista – por absoluta inconsistência não incluo os demais partidos da aliança – ela percebe que aos primeiros sinais de que o barco enfrenta uma tempestade, muitos dos que juravam lealdade incontestável já buscam lugar no bote salva-vidas.

Na falta de melhores conselheiros, soube-se que a presidente decidiu prestigiar ainda mais o vice Michel Temer na articulação política do governo, com a finalidade de acalmar o PMDB, além de prometer o desfile amiudado e midiático ao lado de ministros das demais legendas governistas, em manobra de marketing para mostrar que está tudo como antes no quartel de Abrantes. Não é de estranhar que mesmo apostando alto no ajuste fiscal, o governo solte mais alguns bilhões em emendas parlamentares ao Orçamento, assim como atenda aos pedidos de nomeação de apadrinhados em ministérios e estatais.

As notórias agruras de Dilma, contudo, aumentam de volume quando o ex-presidente Lula bota os pés pelas mãos e produz pérolas como “Dilma e eu estamos no volume morto, e o PT abaixo”. Na entrevista, a antiga mãe do PAC disse não estar nem aí para o que o criador anda falando da criatura, mas assegurou não se ver assim tão rebaixada. Entretanto, o tortuoso raciocínio suscita enorme estranheza diante da assimetria com a realidade mostrada pelas últimas pesquisas sobre a popularidade presidencial.

Dona Dilma, por obséquio, não é o ex-presidente quem afirma estar a senhora no volume morto, são quase 90% dos eleitores brasileiros de todas as classes sociais (inclusive aqueles que lhe deram o voto), mas que hoje esbanjam um nível de inconfiabilidade só atingido pelo ex-presidente Fernando Collor, casualmente alijado da presidência pelo julgamento político do impeachment.

A propósito, o ex-ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF) foi o entrevistado do Roda Viva, programa da TV Cultura de São Paulo e retransmitido pela E-Paraná, na última segunda-feira (6). Deu uma aula magna de Direito Constitucional, aliás, sua especialidade, respondendo com categoria professoral a todas as questões levantadas pelos entrevistadores. Uma das perguntas foi sobre se via algum tipo de “golpismo” identificado pela presidente da República “em alguma oposição”.

Referindo-se obviamente aos processos em curso no TCU e TST, Ayres Britto admitiu sem meias palavras que não há o menor problema, à luz da Constituição, em que a presidente seja investigada pelos tribunais em questão. E mais, que isso não significa necessariamente o impeachment, que a seu ver é julgamento político baseado em fatos comprovados e de atribuição constitucional da Câmara dos Deputados e Senado da República, sendo o segundo a instância encarregada da palavra final em processos dessa natureza. “A lei é igual para todos. Portanto, não há golpismo”, carimbou o mestre constitucionalista.

Sobre as delações, que Dilma diz detestar ao fazer aquela analogia que, para ir direto ao ponto, pareceu misturar no mesmo caldo as Cruzadas e a Inconfidência Mineira, que o ministro aproveitou para chamar de “colaboração premiada”, sublinhando tratar-se de remédio constitucional plenamente aceito e recomendado sempre que concorra para o rigoroso esclarecimento de fatos relevantes à conclusão de processos como o petrolão. E quem oferece voluntariamente tal colaboração faz jus ao prêmio do abrandamento da pena e, em alguns casos, até mesmo do perdão jurisdicional, doutrinou.

Provocado por Augusto Nunes sobre a recorrente afirmação de Lula de que o mensalão não existiu, o magistrado sem alterar o tom da voz ponderou que “quem quer que seja pode dizer o que quer que seja”. Relembrou as longas sessões de debates, os milhares de páginas do processo e dos votos de cada ministro, todos eles cidadãos de formação moral ilibada e cônscios de sua responsabilidade perante a nação e, ainda, o amplo direito à defesa.

E acrescentou algo em que Lula certamente nem chegou a cogitar: “Dentre todos os que foram julgados no mensalão nenhum negou ter recebido o dinheiro”.

Estocada também pelo crescimento negativo da economia, a presidente Dilma afirma que “vai fazer o diabo” para evitar a disparada da inflação e a elevação dos preços na ponta do consumo. A primeira tentativa foi anunciada na forma de um programa destinado a conter a ameaça de desemprego (para muitos um placebo), permitindo às empresas que não demitirem pelo prazo de um ano a redução dos salários e da jornada de trabalho, com o ressarcimento de 50% desse valor pago pelo governo, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Os jornais noticiaram nessa quarta (8) que no momento em que participava em Brasília do lançamento do programa, Luiz Moan, presidente da Anfavea e diretor da General Motors (GM), recebeu a informação de que a montadora anunciava o primeiro lote de demissões na fábrica de São Caetano do Sul.

No mesmo dia, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) deu a conhecimento público os dados de levantamento inédito efetuado com 2,3 mil empresas industriais, das quais a metade respondeu ter efetuado demissões de operários entre outubro do ano passado e abril deste.

Nem o oráculo de Delfos faria vaticínio mais sombrio: as mesmas empresas que fizeram cortes de pessoal pretendem continuar ceifando empregos.

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