9:20Os professores aloprados e o editoral do jornalão

Do ombudsman

Quase dez dias depois de a Gazetona revelar em suas páginas que dois professores de uma escola pública de Almirante Tamandaré enfiaram os pés pelas mãos e aplicaram um teste em alunos de História sobre os acontecimentos do dia 29 de abril na Praça Nossa Senhora de Salete, com perguntas induzidas e onde ficava claro o objetivo de continuar a campanha do sindicato da classe (que pode fazer isso, do lado de fora, pois a democracia permite), o jornalão emitiu opinião a respeito em editorial. Demorou todo este tempo para tomar uma decisão? Ou não? Confiram:

Ensino e ideologização

Avaliação com afirmações contra o governador chama a atenção para casos de doutrinação política no ambiente escolar

Quando uma pessoa acredita ter sido vítima de uma injustiça, é natural que busque formas de reparação ou ao menos expresse sua indignação com o ocorrido. No caso da greve dos educadores da rede estadual de ensino, mesmo que a categoria tenha aceitado encerrar a paralisação e voltar para as salas de aula, muitos professores não consideraram adequada a proposta de reajuste apresentada pelo governo do estado. Além disso, há o lamentável episódio de brutalidade e violência ocorrido na Praça Nossa Senhora da Salete em 29 de abril, que deixou mais de 200 feridos. Assim, é compreensível que muitos professores ainda sintam-se revoltados e expressem sua contrariedade, principalmente contra o governo estadual. O problema é quando essa indignação ultrapassa a esfera da liberdade de expressão, direito de todo cidadão, e entra nas salas de aula como doutrinação política, colocando a nobre função de ensinar a serviço de uma ideologia, seja ela qual for.

Em recente caso reportado pela Gazeta do Povo, dois professores de História de um Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (Ceebja) de Almirante Tamandaré aplicaram uma avaliação aos seus alunos em que perguntavam, entre outras questões relacionadas à greve da rede estadual de ensino e o ocorrido em 29 de abril, “por que Beto Richa é contra a sociedade?”. A atividade, segundo os próprios mestres, fazia parte de uma ação mais ampla, que contou com a leitura de vários artigos opinativos escritos por um dos professores que aplicaram a avaliação e de debates em sala de aula. A intenção teria sido “despertar a consciência política nos alunos” e mostrar a greve “sob a ótica dos sujeitos” – no caso, os educadores. Segundo a APP Sindicato, os professores foram orientados a falar sobre a greve com os alunos, mas não a fazer aulas e aplicar provas e trabalhos sobre o assunto. Ainda assim, o sindicato defendeu a ação dos professores de Almirante Tamandaré, alegando não haver “incompatibilidade pedagógica no trabalho”. Não nos parece ser assim.

Tratar da batalha do Centro Cívico na escola é até esperado. Seria muito estranho que as aulas retomassem e houvesse um silêncio sepulcral sobre o caso. Mas outra coisa, muito preocupante, é transformar o tema em assunto de aula, como ocorreu em Almirante Tamandaré, porque isso introduz um perigoso desvio no currículo escolar. Até mesmo abordar o caso em uma aula de História (o que, à primeira vista, pode fazer sentido para muitos) é questionável, pois esta disciplina pressupõe um certo distanciamento temporal para que os fatos históricos sejam criticamente analisados; assim, seria inadequado tratar do episódio mesmo nesta situação, justamente pela ausência deste distanciamento. Com as feridas do conflito ainda abertas, houve a brecha para a imposição de um ponto de vista. Na avaliação feita no Ceebja, partiu-se já de uma afirmação – de que o governador é contra a sociedade – e só se permitiu aos educandos elaborar justificativas para uma conclusão já tomada.

A gravidade da situação é ainda maior quando se sabe que o confronto entre polícia e professores também tem um forte componente político. As simpatias (e antipatias) partidárias da APP e de muitos docentes não são segredo para ninguém. Esse fator torna ainda mais atraente a tentação de transformar aulas em ocasião de proselitismo político, voluntária ou involuntariamente, pois, dada sua posição, o educador tem influência sobre seus alunos e o risco de que o debate se transforme em mero monólogo doutrinário é muito grande. O caso de Almirante Tamandaré é apenas um; é preciso saber até que ponto essa atitude está ocorrendo em outras escolas de nosso estado.

Todo ser humano traz consigo certas convicções ideológicas, morais, políticas, e age de acordo com elas. Seria ingenuidade imaginar que seja possível a um professor despir-se totalmente dessas convicções quando entra em sala de aula para ensinar. Mas um docente responsável, verdadeiramente interessado por seus alunos, sabe que um debate salutar garante a existência e a expressão do contraditório, por mais polêmicos que sejam os temas em discussão. Desta forma, caminha-se para a construção de uma sociedade mais atenta e interessada em política e mais apta a participar dos debates e decisões dos rumos do país, com mais consciência crítica. Já quando a discussão política toma a forma de doutrinação, em que posições discordantes são simplesmente suprimidas para dar vez a uma única forma de pensamento ou posicionamento ideológico, tem-se o empobrecimento do debate democrático e, nos casos mais graves, o flerte com o autoritarismo. Certamente não é essa a lição que esperamos dos mestres paranaenses. Por mais feridos que eles estejam – e há razão para esse sentimento –, os educadores não podem sujeitar-se a apequenar sua missão de ensinar.

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4 ideias sobre “Os professores aloprados e o editoral do jornalão

  1. Pedreiro

    Deve-se perguntar aos aloprados quem foi e o que fez Joaquim Marques Lisboa?
    Se gaguejarem devem ser demitidos por justa causa!

  2. Jane Dubai

    É ridícula a atitude destes pseudo-professores. Deveriam ser demitidos, mas no Brasil servidor público tem estabilidade, aí agem do jeito que querem.

  3. jose r

    o que me dá m ais medo é completa falta de conhecimento dos professores que se deixaram levar pela conversa de quem tem muitos interesses no estado, assustador ver milhares repetindo discurso fabricado em blogs de oposição, que devem ser bancados com dinheiro público provavelmente, completamente descolados da realidade deixando claro que não houve aprofundamento nos temas, nem chegaram a arranhar a superfície das questões tratadas, e agora temos esse efeito que vai perdurar por anos no imaginário coletivo.

  4. Clint Eastwood

    O tal jornal da família paranaense nunca perde a pose, um dia está de um lado, é óbvio que do lado do que está vencendo. Agora se posiciona do outro lado que, teimosamente, agora está vencendo. A greve da professorada que começou com tudo, até pancadaria da grossa teve, terminou porque perdeu o sentido, até os grevistas já estavam de saco cheio. É fácil estar sempre do lado certo, e o lado certo é o lado em que sempre está o jornal, o da família paranaense.

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