17:42Sobre intolerâncias

por Guido Mantega

A muito custo o Brasil conseguiu construir uma democracia sólida, com instituições fortes e ampla participação popular. Na democracia convivem análises, percepções e posições diferentes. Essa é uma disputa entre forças que tonifica a política e engrandece a sociedade.

Manifestações e protestos são partes integrantes do regime democrático. O contraditório é sempre necessário e muito bem-vindo, estimula o debate e constitui um avanço para o país. A democracia criou mecanismos e instituições que permitem esse debate e garantem a pluralidade de ideias, um pilar que vem sendo erguido há 30 anos.

O Brasil, no entanto, parece caminhar em terreno perigoso. Há algo diferente no ar. Algo que ameaça essa pluralidade. Trata-se do fantasma do autoritarismo, raiz de golpes, que, infelizmente, se manifesta de forma corriqueira, sempre pronto a agir no dia a dia das pessoas.

Atitudes autoritárias podem ocorrer no trânsito, na porta de uma escola, num museu, num hospital ou num restaurante. Não é porque a democracia está consolidada que devemos descuidar dela. Nós, cidadãos, temos que regar essa planta frágil todos os dias –o que nem sempre tem acontecido.

O aumento da intolerância tem provocado atitudes antidemocráticas praticadas por cidadãos que se acham acima do bem e do mal. Alguém escreveu esses dias que o brasileiro está deixando de ser cordial. No Rio, uma pedra foi atirada na cabeça de uma menina de apenas 11 anos por intolerância religiosa.

Eu mesmo, em episódios que nem de longe têm a mesma gravidade, tenho sido alvo de uma intolerância que extrapola o limite da convivência e o direito à liberdade.

Quem é a principal vítima? A menina? O ex-ministro? Não. A vítima é a democracia. Não podemos permitir que essa intolerância se instaure na sociedade brasileira, sob pena de estarmos nos descuidando do mais precioso dos bens.

É oportuna a advertência do teólogo protestante alemão Martin Niemöller diante da escalada do autoritarismo. “Primeiro perseguiram os socialistas, e não protestei porque não era socialista. Então perseguiram os sindicalistas, e não protestei porque não era sindicalista. Então perseguiram os judeus, e não protestei porque não era judeu. Então vieram atrás de mim, e não tinha sobrado ninguém para falar por mim.”

Não podemos nos permitir acordar tarde demais para essa realidade. Na França, o ataque ao jornal satírico “Charlie Hebdo” fez com que as pessoas adotassem prontamente, em repúdio à intolerância, o lema “Je suis Charlie”. Nos EUA, o presidente Barack Obama se engajou no repúdio ao massacre racista em um templo religioso.

Se deixarmos nos apedrejar, física ou moralmente, daqui a pouco estaremos diante de um Estado fascista. O fascismo, como bem definiu Hannah Arendt, nasceu muito antes de sua existência formal.

Não podemos permitir que se instaure entre nós esse espírito autoritário. Atitudes como essas são perniciosas para o convívio democrático na sociedade brasileira.

Qualquer cidadão tem o direito de discordar do que fiz como ministro da Fazenda, mas no terreno das ideias, do debate. A agressão, a injúria, a difamação são inaceitáveis e devem ser respondidas dentro da lei.

Em nove anos à frente do Ministério da Fazenda, esforcei-me para aumentar o emprego e expandir a produção do país, mesmo num cenário de grave crise internacional, que aliás ainda não acabou.

O resultado foi que o PIB cresceu, a renda subiu e a situação dos brasileiros, ricos ou pobres, melhorou. Apesar dos problemas que nós e outros países enfrentamos, o Brasil deu um salto de qualidade e nos tornamos a sétima economia do mundo.

O Brasil passa hoje por problemas conjunturais que podem perfeitamente ser superados com determinação do governo e da classe política. O país continua sólido para enfrentar qualquer turbulência internacional, como a que pode ser provocada pela Grécia.

Temos US$ 370 bilhões em reservas, somos credores do FMI, nossa dívida externa é pequena, nosso sistema financeiro é saudável e temos um dos maiores mercados consumidores do mundo, que continua atraindo investimento.

Ninguém é obrigado a concordar com essas análises e perspectivas, mas temos que nos manifestar de acordo com as regras democráticas, além de dizer não ao autoritarismo.

GUIDO MANTEGA, 66, economista, é professor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV. Foi ministro da Fazenda (governos Lula e Dilma) e ministro do Planejamento (governo Lula)

*Publicado na Folha de S.Paulo

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12 ideias sobre “Sobre intolerâncias

  1. leandro

    Parece que essa turma, quer petistas ou não, mas os que são familiarizados com a ideologia deles, esquecem que ninguém é intolerante com as pessoas , eles, mas sim contra seus atos.
    Não fui eu ou alguém que pense igual , e tem muitos, que iniciou uma separação no pais. Foi o Lula, quando começou a falar da “raça branca, de cabelos claros, de olhos azuis”
    Até pouco tempo, o PT era o maior, eles , o Lula e sua turma tinham redescoberto o país, como se não existisse Brasil até então .
    O país dos sonhos , uma maravilha, tendo como um dos exemplos a “descoberta do pré sal”.
    Passaram 12 anos e de uns tempos para cá a enganação se acentuou, as promessas de realizações não foram concretizadas, mas isso até que não seria importante, pois todos os governantes de qualquer partido prometem e não cumprem.
    No nosso caso, a rejeição ao PT e aos seus membros se dá em especial pelas mentiras de 2014 patrocinadas pela candidata Dilma, pela enganada que deu no povo ao dizer que tudo estava bem, com um lema de “novo governo, novas propostas e realizações”.
    Cerca de 51% da população acreditou nas promessas e a coisa não era bem assim e deu no que está dando e ainda é bem capaz de ficar pior.
    O Governo, esse governo do PT , não aprendeu que com a democracia que fala Guido Mantega, não se brinca, não se mente, não se engana, pois a mesma democracia que os colocou no poder os tira.
    Além dessa enganação e mentiras, apareceram os atos de corrupção, o envolvimento de altos escalões o governo no caso da Petrobrás e aí a mentira se acentuou.
    Bem então caro ex quase ministro Mantega, não sou favorável a insultos como vi nas redes sociais, agressões de qualquer modo, mas pense bem ex quase ministro, nós na China, pais alinhado, ou Cuba também alinhado a alguns princípios de oportunidade e convenientes a esse governo oportunista como é o do PT, toda essa turma seria fuzilada, na China ainda cobrariam a “bala” da família. Então ex quase ministro dê graças a Deus que estamos no Brasil e não aquele país socialista como vocês pregam e gostariam que o Brasil assim fosse.
    Finalizando, senhor ex quase ministro, falo assim porque o senhor nunca foi ministro, nunca esteve sequer ministro, foi mesmo um fantoche, basta ver o que fez ou deixou fazer, e de fazer como presidente do Conselho de Administração da Petrobrás.
    Agora senhor quase ministro só o que falta é vocês pedirem para nós brasileiros, colocarmos adesivos de ” je suis petrolão, je suis Lula, je suis Dilma ou je suis PT”.

  2. Andre Almeida

    Muito Simples.
    O PT e Lula sempre dizem, nós ou eles.
    O Brasil cansou de seus governantes, hoje do PT.

  3. Paulão

    Esse tipo de coisa mostra a falácia que é dizer: “o Brasil não tem preconceitos”, “o brasileiro é tolerante e boa praça”, “amigo de todo mundo”. Precisamos aprender que discursos não sustentam nada. Os fatos estão aí a dizer o contrário. Paremos de criar fantasias a respeito do Brasil e dos brasileiros.

  4. leandro

    Tem aquele ditado popular: ” Em boca fechada não entra mosca” e se abrir geralmente sai outra coisa. Quando não há argumento não se fala nada ou usa outro para manifestar seu pensamento

  5. Sergio Silvestre

    Então,caminhando pelas pedras e pelos alagados a gente encontra pela frente caminhos floridos e alguns espinheiros.
    As vezes de tanto ficar arranhado,temos que deitar sobre um sombra de arvore para catar os espinhos e curar as escoriações.
    Não sei se alguém com o nome de Jumento deva -se dar credito ou ignorar,primeiro por que é covarde quando nem coloca a cara para bater quando faz algum comentário,e é pratica comum que vemos em todos que querem de alguma forma fazer alguma gracinha.
    Mas meu caro,jumento e um animal bem dotado,então procure olhar com certa desconfiança ,já que é anonimo e nem sua esposa sabe disso,veja se ela não está mais laceada como de costume.

  6. Jumentino Silvestre

    Hahahahaha……….boa..boa…gostei….lúcido, como sempre…
    Aliás, translúcido….lúdico…
    Gostei…vou imprimir….

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