12:31Três décadas de achaque

Da Folha.com, em reportagem de Lucas Reis

Esquema na Receita do PR funcionava havia 30 anos, diz Procuradoria

Um esquema organizado há três décadas, que faturava R$ 50 milhões por ano somente em propinas, tinha o poder de falir empresas e abastecia campanhas políticas, como a do governador paranaense Beto Richa (PSDB) no ano passado.

A Receita Estadual do Paraná, alvo de investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), tornou-se uma máfia de extorsão desde pelo menos 1984, segundo apurou a Folha. Não importavam os nomes: os cargos é que sustentavam a complexa rede de corrupção deflagrada pelo Gaeco.

A investigação tem como base dezenas de relatos de auditores fiscais e empresários que firmaram acordos de delação premiada.

As informações são cruzadas e confirmadas pelos promotores, que tiveram acesso a anotações, escutas telefônicas, documentos de empresas ilegalmente alterados por auditores, movimentações suspeitas em contas bancárias e processos não concluídos abertos na Receita.

O principal delator, o auditor Luiz Antônio de Souza, detalhou como parte da propina abasteceu a campanha de Richa no ano passado. A IGF (Inspetoria-Geral de Fiscalização) repassava os valores diretamente para Luiz Abi Antoun, primo do governador preso em decorrência da operação. Ao todo, foram R$ 4,3 milhões.

Em nota, o PSDB negou as acusações. O partido diz que Abi jamais tratou da arrecadação de campanha de Richa e que todas as doações ocorreram dentro da legalidade. Richa também nega —o governador tem dito que Antoun é um “primo distante”.

O esquema demandava alta organização, com percentuais repassados aos líderes, metas de cotas mensais de propina, e abrangia praticamente todo o Estado.Abi Antoun é apontado pelo Ministério Público Estadual como a mais influente e importante figura do esquema de corrupção. Além dele, outro líder da operação era Márcio de Albuquerque Lima, companheiro de corridas de Richa e ex-inspetor-geral de fiscalização do órgão, preso na última quarta-feira (10).

‘CAIXINHA’

Os auditores ofereciam diversas maneiras para o pagamento da propina, como emissão artificial de créditos de ICMS, parcelamento, uso de empresas laranjas para empréstimos de notas ficais frias, entre outras práticas. Havia, inclusive, uma “caixinha”, reserva a ser usada para pagar advogados caso o esquema fosse descoberto.

De cada propina recebida, 10% automaticamente tinha como destino a IGF em Curitiba. O restante era dividido entre o auditor responsável e a respectiva delegacia regional.

Um vídeo que chegou até os promotores mostra um dos auditores investigados exigindo propina de US$ 35 mil em 1997. A investigação, batizada de Operação Publicano, já envolveu mais de cem pessoas, entre auditores, empresários e advogados.

Apenas nas delegacias de Londrina, Maringá e Curitiba, as propinas somaram R$ 38,4 milhões em 2014. O valor chegava a R$ 50 milhões somando as outras regionais. Porém, o rombo aos cofres públicos ainda é incalculável, já que abrange, também, sonegações milionárias.

Para fazer o esquema funcionar, auditores iam até as empresas e cobravam propinas para evitar multas e autuações, muitas vezes inventadas. Se a empresa devia, por exemplo, R$ 5 milhões à Receita, bastaria pagar R$ 1 milhão ao grupo, e o processo seria extinto.

Os empresários que se negavam a pagar propina sofriam retaliações. Dias depois, os auditores voltavam à empresa e realizavam uma devassa, levando documentos e computadores, e cobravam uma quantia astronômica e irreal, o que poderia levar a empresa à falência.

Mas nem todas as empresas eram alvo dos auditores. “Não mexe com os ‘turcos’ […] não mexe com os primos”, teria ordenado Albuquerque, referindo-se aos empresários da “colônia árabe”.

Os auditores pagavam R$ 500 mensais a um policial para mantê-los informados sobre possíveis investigações do Gaeco —no caso, era um agente infiltrado, que reuniu informações sobre a rede. Quando o caso veio à tona, os fiscais ofereceram recompensa de R$ 50 mil por informações sobre a apuração.

LICENÇAS E SUICÍDIO

A explosão da Operação Publicano alterou radicalmente a rotina da Receita Federal em Londrina. Um dos auditores citados na investigação tentou suicidar-se, sem sucesso. Ao menos sete fiscais pediram licença especial remuneratória para fins de aposentadoria —no mesmo período de 2014, nenhum auditor requereu esta licença.

O principal delator do caso, o auditor Luiz Antônio de Souza, preso em flagrante com uma menina de 15 anos em um motel de Londrina, vai entregar duas fazendas, avaliadas em R$ 20 milhões, aos cofres públicos. A devolução está incluída no acordo de delação premiada. O patrimônio dele está estimado em mais de R$ 30 milhões.

A Receita organizou uma força-tarefa para investigar as denúncias na delegacia, em andamento. O objetivo, segundo a Secretaria da Fazenda do Paraná, é revisar os trabalhos efetuados pelos fiscais envolvidos na investigação do Ministério Público.

Paralelamente, a Secretaria da Fazenda informou que investiga a sonegação de pelo menos R$ 115,5 milhões em créditos falsos de ICMS, gerados artificialmente. Até agora, 275 empresas já foram notificadas.

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4 ideias sobre “Três décadas de achaque

  1. Araldo

    O mais interessante, é que aparentemente o governador e seu grupo se apropriaram do procedimento… Mas assim como no governo, o brinquedo era muito grande e difícil de controlar. Ai deu merda principalmente pela incompetência deste grupo. Ai se lambuzaram todos… Se mexer um pouco mais, veremos que a sujeira está espalhada por todos os lados..

  2. Vernaculo

    Corrupção é uma via de mão dupla! Por qual motivo o MP não divulga os empresários corruptores e somente os fiscais. Qual o motivo da proteção?

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