15:36No Valor

Para quem não leu, segue a íntegra da reportagem onde o prefeito Gustavo Fruet fala de tudo um pouco para a jornalista Maria Cristina Ferna, do jornal Valor Econômico. O título resume o mote da conversa: “O bombeiro da cidade conflagrada”. 

No dia 29 de abril, quando a ocupação de professores da rede estadual foi dissolvida a cassetetes, bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha no Centro Cívico, a praça dos três Poderes de Curitiba, a prefeitura foi esvaziada para abrigar os feridos, que lá receberam os primeiros socorros.
O prefeito Gustavo Fruet (PDT) chegou a ser barrado à entrada da Assembleia Legislativa por policiais militares trazidos do interior que não o reconheceram. “Parece uma praça de guerra”, escreveu no Twitter antes de pedir moderação ao governador. O prefeito não tinha dúvida de quem era o domínio do fato. “Como se não bastasse o clima de tensão, muitos policiais chegaram aqui depois de longas viagens, talvez cansados e pouco alimentados”, relembrou, em entrevista ao Valor na semana passada, em seu gabinete, de onde se avista a praça da guerra.
As várias passeatas que se sucederam ao confronto paravam em frente à prefeitura para aplaudi-­lo, mas Fruet, ao contrário de políticos de oposição, não subiu em carro de som para discursar contra o governador.
Aos 52 anos, Fruet gere a cidade mais conflagrada do Brasil. Não tem mais greves do que a média do país, mas abrigou uma que valeu por todas. É a encarnação da terceira via num Estado em que os professores encarceraram o PSDB e a Operação Lava ­Jato, que tem em Curitiba seu quartel general, acuou o PT.
Em 2018, o governo estadual, pela gravidade, tende a cair no seu colo, desde que o pedágio de 2016 seja honrado. Talvez por isso, Fruet segura o ativismo da mulher, a jornalista Marcia Oleskovicz, nas redes sociais e evita chutar os cachorros mortos que o cercam. “Para ganhar credibilidade leva­se muito tempo, mas para perder, é muito fácil”, diz. “Beto foi reeleito por um
eleitorado marcadamente antipetista. Mesmo que não tivesse uma marca forte, o Estado mantinha­se fora da crise. Isso começou a se desestruturar logo depois da eleição, quando chegou a dizer que o melhor estava por vir. Faltou clareza e transparência para conduzir os ajustes”.
É a segunda vez que um Richa e um Fruet coabitam o governo do Paraná e a Prefeitura de Curitiba, no Estado cujo familismo na política já levou dois irmãos (Osmar e Alvaro Dias) a ocupar simultaneamente a bancada do Senado. Em 1983, ano em que as capitais ainda tinham prefeitos biônicos, o governador José Richa nomeou o deputado federal Maurício Fruet, ambos do PMDB, para administrar Curitiba.
A reedição dos sobrenomes, 30 anos depois, levou a Prefeitura de Curitiba e o governo do Estado à relação mais magra da história. São apenas oito convênios, nenhum deles firmado na atual gestão de Fruet. Esse esgarçamento acabou comprometendo uma das vitrines da cidade, o transporte público, com a suspensão da tarifa única de ônibus entre os municípios da região metropolitana.
Fruet e Richa foram correligionários até setembro de 2011. O prefeito chegou a disputar o Senado na chapa da primeira eleição do governador ao Palácio do Iguaçu. Sem espaço no PSDB, filiou­se ao PDT para disputar a prefeitura em 2012. As pesquisas lhe trouxeram em terceiro lugar até a véspera da eleição.

Depois de gastar menos da metade dos seus dois principais adversários, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, acabaria derrotando o candidato do governador, Luciano Ducci (PSB), por uma vaga no segundo turno contra o atual secretário de planejamento urbano do governo estadual, Carlos Roberto Massa Junior (PSC), que adotou o nome do pai, o apresentador de TV Ratinho.
Numa campanha acirrada, Fruet teve que se haver com acusação de nepotismo, por ter anunciado, desde a campanha, que contaria com a ajuda de sua irmã, Eleonora, futura secretária de Finanças, e Ratinho enfrentou a rejeição da classe média curitibana à audiência da família na TV e na política.

Ratinho pai e filho, que comandaram a reeleição de Richa no interior do Estado, dominam a Assembleia Legislativa cuja maioria aprovou a investida do governador sobre o fundo de previdência estadual, principal motivo da rebelião dos servidores.
O prefeito herdou sua primeira candidatura à Câmara dos Deputados de Maurício Fruet, que morreu 35 dias antes da eleição. Quase sempre se remete ao pai, quando tem que explicar por que governar ficou mais difícil ­ “Os prefeitos se preocupavam com três coisas, sistema viário, sistema de transportes e lei de zoneamento. Depois da Constituição de 1988, educação, saúde, meio ambiente e até segurança passaram a disputar a agenda e o orçamento das prefeituras.”

Ao tomar posse, em janeiro de 2013, foi criticado pelo discurso em que falou das dificuldades econômicas que o levariam a cortar, na partida, 25% do custeio. Herdou uma dívida de curto prazo equivalente a 15% da receita corrente líquida. Pela lei pode esticar a corda até 120%, o problema é a contrapartida. Para cada R$ 1 que consegue de financiamento, o erário municipal tem que entrar com R$ 0,50.
Depois que se arruma o dinheiro, vem a burocracia. “A demora numa licitação é quase tão onerosa quanto a corrupção”, diz. “Quando meu pai era prefeito e visitava comunidades que precisavam de uma ponte, ele pegava o telefone e ligava para o secretário de obras: olha, pega um caminhão e uma máquina e leva lá areia, asfalto e brita’. Um mês depois a ponte tava pronta. Hoje se o prefeito fizer isso corre o risco de responder por improbidade.”
Assim como a de São Paulo, a planta genérica de valores do IPTU estava congelada havia 11 anos quando Fruet tomou posse. Pagava­se menos imposto pela propriedade urbana do que pela posse de um veículo (IPVA). Ao contrário do prefeito Fernando Haddad, no entanto, Fruet planejou aumentos escalonados e evitou questionamentos legais.
Curitiba hoje tem 1,8 habitante por carro, o que a coloca na condição de capital mais motorizada do país. Sem elevar o tom contra a classe média, Fruet cita as cifras da malha viária para questionar o custo político de sua ampliação. “Um quilômetro de via nova custa R$ 1,5 milhão. É quase o valor de uma creche. É justo gastar tudo isso para passagem e estacionamento de carros?”
Na tentativa de reverter a condição de capital brasileira dos automóveis e retomar o protagonismo dos anos 1980 na mobilidade urbana, Fruet tem quase metade de suas parcerias com o governo federal destinadas ao transporte público.

As parcerias foram acompanhadas da aproximação política com o governo Dilma Rousseff, a partir da aliança com a senadora e ex­ministra da Casa Civil da Presidência, Gleisi Hoffmann. O apoio do PT a Fruet em 2012, com a indicação do vice, foi retribuído com a adesão do prefeito à candidatura derrotada da senadora petista em 2014.
O casamento dos litigantes foi tema de ambas as campanhas. Um dos deputados mais atuantes da CPI dos Correios, Fruet diz que a Operação Lava­Jato é uma consequência do mensalão ­ “Não deu tempo de investigar, mas já se sabia naquela época que o esquema era uma forma de internalizar recurso de grandes financiadores.”
Quando a CPI acabou, Fruet dedicou-­se a eleições majoritárias e passou cinco anos sem voltar ao plenário. “Saí do Congresso porque não queria mais participar de CPIs, e eis que elas vão para Curitiba a exatamente três quadras da minha casa”, diz, numa referência ao quartel­general do juiz Sergio Moro no Alto da XV, bairro ao leste de Curitiba.
Afirma ter encontrado, ao voltar para o Paraná, práticas semelhantes no governo do PSDB àquelas que havia denunciado. É rápido ao responder se o PT é mais corrupto que os outros partidos ­ “Não. É uma avaliação simplista. Serve mais para torcedor. O PT tem uma bela história, mas entrou num esquema de desvio muito grande que capturou muitos dos seus principais personagens. Aquele militante ideológico, tradicional, deve estar sofrendo. É o único partido que ainda mantém trabalho de base, mas não sei como vai se recuperar.”
Aposta que a animosidade contra o partido vista na disputa presidencial de 2014 só vai crescer em 2016: “Mais do que rejeição, o PT está despertando ódio e vai pagar um preço alto nas eleições municipais porque é uma rede que envolve pessoas que são referência não apenas para o partido, mas para a sociedade.”
Estaria falando do ex­presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Fruet diz que o julgamento de Lula, seu principal alvo na CPI dos Correios, vai ficar para a história, mas a caução já começará a ser paga nas próximas eleições. Não acredita que o ex­-presidente correrá o risco de ser candidato. “O processo eleitoral vai ficar ainda mais radicalizado e o caminho do Lula seria dividir a sociedade entre pobres e ricos, nós contra eles. Acho que esse discurso não se sustenta mais.”
Contra a corrente predominante não apenas no PT, diz que é a presidente Dilma Rousseff, em caso de a economia se recuperar, que pode ter capital político para definir a sucessão de 2018. “Dilma foi de uma lealdade a Lula impressionante. Pode ter atitudes, mas não tem uma única declaração de confronto, o que não é comum em se tratando de um sucessor. Se a economia melhorar, passa a ter um papel importante, até porque já não é mais candidata, a não ser a escrever sua biografia.”
Na condição de gestor, Fruet não pode torcer para o quanto pior. Tem ciência de que o ajuste fiscal vai arrochar ainda mais a federação, mas apoia o ajuste fiscal porque não vê outro caminho de curto prazo. Com a continuidade do ajuste, o Brasil de amanhã pode ser a Curitiba conflagrada de hoje. Daí porque, passado o sufoco, diz que terá chegada a hora da rediscutir atribuições: “Se não dá para descentralizar receita, que se reconcentrem as competências.”
Diz que o Sistema Único de Saúde é o exemplo mais acabado de crise de financiamento da federação. Os repasses para a compra de medicamentos atrasaram oito meses em Curitiba. “São 109 unidades de saúde, frequentadas porpacientes dependentes de medicação. O que faço com essas pessoas?”

Sua posição pró-­ajuste o coloca em confronto com seu próprio partido que, a despeito de estar na base do governo, votou contra as medidas provisórias. Atribui o cabo de guerra à pressão de setores do PDT por mais espaço no governo. Estende a crítica aos seus antigos correligionários tucanos: “O PSDB ficou muito tempo sem defender o legado de
Fernando Henrique e sem ter uma postura real de oposição. Agora quer copiar a oposição que o PT fez e, mais uma vez, não rejeita o legado. Como é que se explica esse voto contra a mudança do fator previdenciário? É fácil falar fora do governo, mas o papel da oposição não pode ser o de destruir o governo. Esse modelo de polarização não vinga mais.”
Fruet atribui aos erros do PSDB o vazio na política nacional que vem sendo preenchido pelos presidentes da Câmara e do Senado. “Eduardo Cunha e Renan Calheiros viraram os grandes protagonistas porque ocuparam esse vazio e lideram temas que extrapolam a vida partidária, como a redução da maioridade penal e o casamento gay.”
O prefeito de Curitiba teme o que chama de ‘pêndulo conservador’ das próximas eleições. Diz que quem passa pela prefeitura de uma grande cidade não pode ser a favor da redução da maioridade penal. “Estamos perdendo a guerra para a barbárie. Há bebês na rede municipal com crise de abstinência, abandonadas por pais usuários de drogas.”
Cita o ex­-primeiro­ministro da Itália, Silvio Berlusconi, eleito depois da Operação Mãos Limpas, como a ameaça que paira sobre a política brasileira pós-­Lava­Jato. Descrê do futuro eleitoral do ex­ministro do Supremo, Joaquim Barbosa (“notoriedade não significa voto”) e é pouco conclusivo sobre a ex­-senadora Marina Silva: “Já passou por duas eleições, enfrentou a brutalidade das campanhas e tem um pouco do idealismo que falta à política. Tem história de superação. Lula perdeu quatro.” E o prefeito do Rio, Eduardo Paes, seu antigo
companheiro de CPI? “Pode ser, mas não vai ser fácil se impor ao PMDB e às realidades do partido em Minas, São Paulo e Rio.”
Fruet não se decepcionou com a reforma política porque nunca acreditou que fosse sair, mas viu com desalento o fim da reeleição ­ “A gente tem que decidir se acredita ou não no discernimento do eleitor. O povo tem que ser tutelado? Numa hora pode reeleger e na outra hora, não pode mais?”
Nunca foi favorável ao financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais, mas acha que a discussão no Congresso tangenciou o foco do problema, o horário eleitoral gratuito. “A democracia está muito cara. É insustentável. A primeira coisa que tinha que acabar era esse modelo de propaganda. Como prefeito candidato à reeleição posso até ser prejudicado com o fim de um formato destinado a mostrar o que fiz, mas acho que o que importa mesmo é debater. Eleição é isso, debate. Devia ser esse o formato.”
Fruet tinha 25 anos quando a Constituição de 1988 foi promulgada. Doutorou­-se em direito e, oito anos depois, elegeu­-se para seu primeiro mandato de vereador. Desde então nunca mais deixou de ouvir o verbo reformar. Durante os 12 anos que passou no Congresso, foi um de seus arautos. Na prefeitura, deu-­se conta de que nenhuma reforma se propõe a mudar o capitalismo sem concorrência que se vale da política e da máquina pública para se
perpetuar. A Lava­Jato é a prova disso. “A gente se arrebenta para se eleger e quando chega no poder encontra as mesmas pessoas que estão mandando desde sempre e vão continuar mandando. Não tem regra escrita que mude isso. O que me incomoda é a ilusão que se vende permanentemente, não apenas para a sociedade, mas para nós mesmos.

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3 ideias sobre “No Valor

  1. êita!!!

    Ainda é uma das únicas pessoas com visão clara do que é a vida pública. Sempre coerente e lúcido. Infelizmente não se governa sozinho.

  2. Informante dos informes

    Junto com operação desastrosa contra os professores, a maior burrice do Beto Richa foi dar, com isto, a reeleição para o Fruet de presente. Pobre dos curitibanos.

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