Ilustração de Sofia Guancino Pereira 

por Rogerio Pereira

Ele descobriu que a Terra é redonda. E que sua vida é uma bola. Os ossos ainda são frágeis. A pele, fina. Não está preparado para os terremotos da vida. Cai com alguma facilidade. Chora destituído da vergonha adulta. Eu o vi marcar o primeiro gol. Era apenas um menino de pouco mais de dois anos perdido numa quadra. Agora, quando beira os seis anos, carrega sonhos de homem. Pretende ganhar o mundo com uma bola nos pés. Ao abrir o guarda-roupa, uma enxurrada de camisas multicoloridas o esmaga. Vários campeonatos cabem em seu armário. Dispara pelo corredor entre o quarto e a sala a ensaiar comemorações para gols memoráveis.

Vamos juntos aos jogos. No clube de pais da escola, sou um esforçado zagueiro. Ele, um amoroso filho a vislumbrar um resquício qualquer de habilidade no desastrado pai. No estádio, torcemos por um time cujas alegrias são minguadas, ralas, efêmeras. Mas não desistimos. Somos unidos na alegria e na desilusão. Na escolinha de futebol, ele é veloz e marca muitos gols. Um pequeno craque à espera da glória.

Em nossas conversas, o futebol se infiltra com facilidade.

— Pai, quando eu crescer, vou jogar no Bayern de Munique.

— É mesmo, filho?

— Sim. Vou ser igual ao Mario Götze.

—…

— Depois, vou ser técnico de futebol.

—…

— Quando ficar mais velho, vou ser presidente de um time.

—…

— E também vou ser anarrador.

(Anarrador: aquele sujeito que narra os jogos).

— Um anarrador da tevê?

— É. Um anarrador que fala os gols, os lances.

— Muito bom, meu filho. Uma bela carreira.

— Papai?

— O quê?

— Quando eu morrer, minha última palavra será gol. Ou futebol. Ainda não decidi.

Penso em lhe dizer que há tempo para pensar nisso. Não digo nada. Palavras nem sempre são necessárias.

*Publicado no site Vida Breve (www.vidabreve.com.br)