6:33Magrelas de ontem e amanhã

por Yuri Vasconcelos Silva

Vila Perneta, em Pinhais. Início da década de 1980. A garotada andava de bicicleta Caloi Cross levantando poeira ligeira na rua de chão. Apostavam corridas sobre a magrela, exploravam distantes paragens nos bairros próximos, encaravam rampas em barrancos de terrenos baldios. Mas elas não eram usadas apenas para brincadeiras pueris. Trabalhadores pedalavam sobre as ruas não asfaltadas em direção às empresas. Na garupa, panos de cozinha abraçavam com um nó a embalagem metálica da marmita para o meio dia. Na rua principal que descia em direção à capital, dezenas deles sobre suas bicicletas, em um fenômeno semelhante a uma estranha migração de pássaros. Só que esta ocorria duas vezes por dia, em direções opostas. Pela manhã e no retorno, no fim da jornada. Eram dezenas de ciclistas, visão dramatizada pelas suas sombras projetadas no chão. Nesta época, o uso da bicicleta tinha motivo prático de sobrevivência: ajudar a estender o salário até o fim do mês. Com o transporte coletivo caro e a impossibilidade de comprar automóvel, um luxo para poucos, a bicicleta era uma ferramenta de trabalho. Não se discutia sustentabilidade, mobilidade, ciclovias ou ciclofaixas. Operários não tinham tempo para analisar ou reclamar.

Trinta anos depois, qualquer um com carteira de identidade consegue comprar um carro. O transporte coletivo não evoluiu em conforto a ponto de seduzir o motorista a virar passageiro. Todos querem ir para o trabalho em seu próprio carro. A bicicleta, então, retorna com ares de salvação e diferente do que era. Agora é transporte alternativo. Ocupa menos espaço, é mais saudável e não polui. O público que utiliza este meio individual de transporte também é diferente daquele sujeito que carregava a marmita há trinta anos. Artistas, arquitetos, músicos, professores, poetas. Deste contexto que nasce a pressão por implantação e melhorias da estrutura cicloviária das cidades. Não é possível mencionar qualquer estratégia de mobilidade urbana sem se referir a estas velhas companheiras. Observa-se com inveja positiva os modelos implantados na Europa, Austrália, Tailândia e Canadá. Ao beber destas fontes, o que poderia ser feito aqui para dar espaço e luz às magrelas e seus donos?

1 l Ciclovias:

Implantar uma faixa na via existente é solução preguiçosa e ineficiente. Mas é  barato. Estrangula ainda mais o espaço das vias destinadas aos veículos e piora o congestionamento. Também coloca em risco o ciclista, que não dispõe de qualquer barreira física para separar o caminhão aloprado da bicicleta. A circulação dos ciclistas deve ocorrer em vias apropriadas, exclusivas para este fim, separadas da rua ou do passeio, pois a bicicleta pode ser perigosa para o pedestre.

2 l Integração:

Ônibus, táxis, metrôs e outros meios de transporte urbano devem contar com espaço para transportar a bicicleta. Em trajetos longos ou em dias de tempo instável o usuário precisa ter à sua disposição a integração de seu modo de transporte sobre duas rodas, a outros modais. Sem isso, mesmo uma excelente malha cicloviária estaria incompleta.

l Segurança:

A rede de ciclovias deverá ser segura dia e noite. É importante contar com eficiente sistema de iluminação por leds, que lave a ciclovia de luz, sem perder fluxo luminoso para o céu ou adjacências. Presença de cabines de policiamento em pontos estratégicos da ciclovia, com patrulhamento policial sobre bicicleta.

4 l Iniciativa privada:

Não é possível pedalar quilômetros e, ao chegar suado no destino, não ter instalações para tomar banho, se trocar, guardar as roupas, tomar água e estacionar a bicicleta. O local de trabalho e outros destinos relevantes a este transporte alternativo, precisam disponibilizar serviços de mínimo conforto e apoio ao ciclista.

E ainda sobra espaço para outras idéias:

• Ciclovias com leves coberturas pivotantes que, ao chover, se fecham para proteger os ciclistas;

• Ciclovias elevadas em estrutura metálica, pisos vazados, nas áreas mais adensadas;

• Locação de bicicletas em vários pontos ao longo da ciclovia;

• Subsídio para a compra de bicicletas, como já feito em relação ao automóvel;

Por que não?

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto

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