9:05A Justiça e o perigo da intolerância religiosa

por Claudio Henrique de Castro

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça divulgou uma análise dos casos mais famosos que foram julgados envolvendo intolerância religiosa, dízimos, anulação de casamento e injúria.

Devemos lembrar que o Estado Brasileiro, muito embora possua  bancadas religiosas no Congresso Nacional, tem o dever legal de zelar pela plenitude da liberdade religiosa e de pensamento.

Os discursos fundamentalistas e de extremistas de certos segmentos religiosos, que falam como se fossem donos absolutos das verdades sagradas e que, por vezes, perseguem as religiões afro-brasileiras, devem ser denunciados de forma intransigente.

A liberdade religiosa é algo precioso e tem proteção jurídica na Constituição, na legislação e nos tratados internacionais.

No Brasil de hoje há o risco de termos “religiões” extremistas cujas primeiras vítimas são as religiões afro-brasileiras. Depois, não sabemos quais serão os alvos desses segmentos.

O respeito à liberdade religiosa é um dever e, acima de tudo, um Direito.

Notas:

STJ  29/03/2015 ESPECIAL

INTOLERÂNCIA

Outro caso de grande repercussão envolveu a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e uma mãe de santo da Bahia. A religiosa enfartou depois de ler uma matéria publicada no jornal Folha Universal, de propriedade da IURD, na qual era acusada de charlatanismo e de roubar os clientes. A capa do jornal estampava uma foto da mãe de santo com a manchete:“Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”.

A mãe de santo faleceu dias depois. A família, então, iniciou uma luta judicial contra a igreja. Em ação por danos morais, a IURD foi condenada ao pagamento de quase R$ 1 milhão em razão de ofensa ao artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal (proteção à honra, vida privada e imagem). Além disso, foi condenada também a publicar uma retratação à mãe de santo na Folha Universal.

No recurso especial, entretanto, o valor da indenização foi reduzido para R$ 145.250,00. O desembargador Carlos Fernando Mathias de Souza, então convocado para atuar no STJ, considerou o valor original exorbitante em relação aos critérios adotados no tribunal para reparações de cunho moral.

O episódio inspirou a criação do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, 21 de janeiro, data da morte da mãe de santo (REsp 913.131). 

 

A FÉ NA JUSTIÇA DOS HOMENS

Fé é a certeza das coisas que se esperam e a convicção de fatos que não se veem (Hebreus 11:1). A crença religiosa dispensa lógica e razão. Quem crê, crê e pronto. É algo que, teoricamente, não se discute. Um direito fundamental reconhecido pela Constituição de 1988. Isso não significa, entretanto, que não existam limites ao que é feito em nome da liberdade de crença. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, já encerrou muitas discussões envolvendo atos abusivos praticados sob o manto da religião.

Um deles foi o julgamento do HC 268.459, que discutia a responsabilidade criminal de um casal pela morte da filha, de 13 anos.

A menina, portadora de anemia falciforme, foi levada ao hospital com uma crise de obstrução dos vasos sanguíneos. Alertados pelos médicos de que seria necessário realizar uma transfusão, os pais não autorizaram o procedimento invocando preceitos religiosos das Testemunhas de Jeová.

Em primeira instância, os pais foram pronunciados para ir a júri popular, acusados de homicídio com dolo eventual, decisão mantida em segunda instância.

No STJ, a Sexta Turma entendeu pelo trancamento da ação penal. Para o colegiado, os pais não poderiam ser responsabilizados porque, ainda que fossem contra o procedimento, não tinham o poder de impedi-lo, já que a menina estava internada. Os médicos é que deveriam ter agido e cumprido seu dever legal, mesmo diante da resistência da família.

O julgamento ficou empatado, e como nesses casos a regra é prevalecer a posição mais favorável, o habeas corpus foi concedido. No acórdão, ficou registrado o entendimento de que a invocação religiosa deve ser indiferente aos médicos, que têm o dever de salvar a vida.

 

DÍZIMOS

O dízimo é a contribuição religiosa do fiel. Ele ocorre tanto em igrejas evangélicas quanto em católicas e significa a décima parte da renda mensal doada à igreja como manifestação de fé e gratidão por bênçãos recebidas.

Um fiel arrependido tentou reaver na Justiça valores colocados no altar da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Para ele, as doações realizadas seriam passíveis de revogação por ingratidão.

O caso aconteceu em São Paulo. Após desentendimento com um pastor, o fiel saiu da igreja e moveu ação de revogação das doações, com pedido de restituição das quantias.  O pedido foi julgado improcedente em primeira e segunda instância, e a discussão chegou ao STJ no REsp 137.1842.O relator, ministro Sidnei Beneti (hoje aposentado), também não acolheu a argumentação do fiel arrependido.

Beneti destacou que a palavra doação admite duas interpretações: a doação em sentido amplo e a doação como negócio jurídico. Para ele, as contribuições realizadas às instituições religiosas não se enquadram na definição de doação como contrato típico, prevista no artigo 538 do Código Civil.

“A doação lato sensu a instituições religiosas ocorre em favor da pessoa jurídica da associação, e não da pessoa física do pastor, do padre ou da autoridade religiosa que a representa. Nesse contexto, a doação não pode ser revogada por ingratidão, tendo em vista que o ato de um membro – pessoa física – não tem o condão de macular a doação realizada em benefício da entidade, pessoa jurídica, como dever de consciência religiosa”, explicou Beneti.

 

CASAMENTO ANULADO

Em 2013, o STJ homologou pela primeira vez uma sentença eclesiástica que anulou um casamento religioso, confirmada pelo Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, no Vaticano, com base no acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil (Decreto 7.107/10).

O decreto estabelece que as decisões eclesiásticas confirmadas pelo órgão superior de controle da Santa Sé são consideradas sentenças estrangeiras, com valor legal no Brasil. Com a decisão do STJ, os ex-cônjuges passaram de casados para solteiros, uma vez que a homologação da sentença eclesiástica resultou também na anulação do casamento em termos civis.

O pedido de anulação do casamento foi feito pelo marido ao Tribunal Eclesiástico Interdiocesano de Vitória, após a denúncia de que a esposa abusava sexualmente dos filhos. Embora o acordo com a Santa Sé tenha sido apresentado como decorrente de relações internacionais entre estados, ele chegou a ser alvo de muitos questionamentos por envolver o interesse específico de uma religião, num estado constitucionalmente estabelecido como laico.

 

INJÚRIA

Em julgamento realizado na Corte Especial, o STJ diferenciou discriminação religiosa de injúria qualificada. Uma mulher moveu ação penal privada contra um promotor que havia testemunhado em processo no qual ela acusava o ex-marido de atentado violento ao pudor. As vítimas seriam os filhos do casal.

De acordo com a mulher, o promotor, em seu depoimento, declarou que ela seria “emocionalmente desequilibrada” e “religiosa fanática da igreja do bispo Edir Macedo”. Disse ainda que ela havia colocado em sua casa duas empregadas domésticas da igreja à qual pertence e que de uma delas partiram as acusações contra o ex-marido.

Para a mulher, as declarações do promotor teriam sido feitas com o propósito de desqualificá-la – e também às suas empregadas –, denotando intolerância, discriminação, preconceito contra membros de segmento religioso e ainda a ideia de superioridade de quem não pertence àquela igreja.

Por unanimidade, os ministros rejeitaram a acusação, acolhendo a argumentação do promotor de que utilizou o termo “fanática” apenas como sinônimo de comportamento exagerado, sem a intenção de qualificar a religião.

Para o colegiado, a maneira como o promotor se referiu à igreja frequentada pela mulher, no contexto dos fatos, não implicou discriminação religiosa, mas uma declaração pessoal de caráter injurioso, visando a ofensa à honra, e não a discriminação.

“Se a intenção for ofender número indeterminado de pessoas ou, ainda, traçar perfil depreciativo ou segregador de todos os frequentadores de determinada igreja, o crime será de discriminação religiosa. Contudo, se o objetivo for apenas atacar a honra de determinada pessoa, valendo-se para tanto de sua crença religiosa – meio intensificador da ofensa –, o delito em questão é o de injúria qualificada, nos estritos termos do artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal”, disse o ministro Castro Meira (já aposentado), relator do processo.

Os números de alguns processos mencionados no texto não foram divulgados em razão de segredo judicial.

 

Pacto de San José da Costa Rica (que o Brasil é signatário)

Artigo 12 – Liberdade de consciência e de religião

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.

2. Ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.

3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

4. Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

 

Constituição Federal do Brasil

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;  (…)

 

A Lei nº 9459/1997 prevê no seu art. 1º, que alterou o art. 20 do Código Penal:

Art. 1º Os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de um a três anos e multa.(Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) (…)

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

I – o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio;      (Redação dada pela Lei nº 12.735, de 2012)        (Vigência)

III – a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores.  (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)      (Vigência)

§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Art. 2º O art. 140 do Código Penal fica acrescido do seguinte parágrafo:

“Art. 140. ………………………………………………………….

………………………………………………………………………..

§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem:

Pena: reclusão de um a três anos e multa.”

 

 

 

 

 

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7 ideias sobre “A Justiça e o perigo da intolerância religiosa

  1. Macarrão

    Que artigo bizarro! A desonestidade intelectual deste Sr é assustadora! Ele deveria mostrar em primeiro lugar aonde que existem os preconceitos(o caso da folha universal, que é específica para um grupo reduzido, pode servir como um exemplo de calúnia, ou difamação, porém não como exemplo de preconceito da sociedade). Oras, a lei permite que existam terreiros, que cada um exerça sua fé….o maior preconceito e intolerância atual são contra evangélicos, cristãos e afins….inclusive neste artigo! Com tanta M no Brasil, ver estes seres criativos inventando moda é de doer. Ou alguém se esquece que nas marchas das vadias, símbolos cristãos foram introduzidos em orifícios? Deixo uma pergunta…e isto é o que? Retirar Cruzes e outros símbolos de órgãos públicos, apelando para uma interpretação mentirosa do “estado laico” é o que? Sinceramente….este tipo de tolerante que quer impor teses de minoria, e dão salto verborrágicos para se justificar, são o que tem de criminoso em nossa sociedade!

  2. J.Ribeiro

    Excelente comentário do sr Macarrão! Cumá? talvez precise lembrar que a Falha de SP é um jornal de ideologia…Lembrar que o fato de existir uma representação de “religiões afro brasileiras” (que alias, não são religiões, mas enfim), contra um “exército da IURD”, não implica em crime…. Salvo os palavratórios (nada diferente daqueles dos que tacham cristãos, evangélicos, judeus etc,) o qual, cabem sim uma reprimenda da Justiça. Porém, pelo que entiendi 1, deste artigo que é pura perda de tempo, e 2, do comentário do Macarrão, foi que este blablabla de preconceito é surreal….invencionice, mentira, jogo de cena…e sou obrigado a concordar… A própria noticia que veio como resposta, mostra as imbecilidades que tem sido ditas e feitas…querendo direitos superiores a uma minoria, em cima da vontade de uma maioria, com invencionices, e outras coisas….parece aquilo que os petistas fazem quando vão se justificar: atacando o outro, e dizendo que existe uma campanha de ódio contra os coitadinhos. Coisas que os fatos desmontam.

    Se, ou quando, este exercito da IURD cometer algum crime, que punam…Mas, por enquanto, o que é visto são Símbolos sendo retirados, xingamentos àqueles que dizem ter uma religião, militancia intolarente da LGBT, e marcha das vadias enfiando coisas nos corpos…Isto é intolerancia religiosa, isto é preconceito!!

  3. Franco

    A questão não é tão rasa a ponto de ser resumida no imbróglio IURD. X religiões afro. Cada um crê no que quer e pode sim crer que a crença alheia é falsa. Só não pode deixar que isso seja o fator preponderante, fomentador de conflitos e extirpador do direito do outro.
    Bem lembrado pelo comentarista acima o caso dos ateus que, não contentes com sua não-crença, se empenham dia e noite em ofender os religiosos, seja com atos bizarros como os descritos, seja pela constante ideia-fixa de que todos os males da terra são originarios nas religiões . Eles escarnecem da fé, e se entendem iluminados pela razão (dando a entender que os deístas são ignorantes). CADÊ o respeito ?
    Vamos lembrar que existe uma movimentação por parte de ateus que visa desautorizar a ajuda pública à entidades de recuperação de viciados que sejam vinculadas a movimentos religiosos. Ué ? Isso pode ?
    Estado laico não é estado ateu.
    Se existe uma tal “bancada religiosa” é porque em uma democracia existe a possibilidade de um grupo de interesse qualquer eleger representantes. Se bem que essa bancada “evangélica” é mais fisiológica que o pmdb…
    Também existe uma bancada espírita, uma bancada umbandista é uma bancada de ateus.
    Não há nada de errado nisso. É democracia pura.
    Sobre os “Gladiadores” do Macedão, estão fazendo um carnaval por pouca coisa. O fato de marcharem e se vestirem como soldados, jurando fidelidade religiosa, não é crime. Um “exército” como o MST, armado, isso é entidade paramilitar…
    Não deem ouvidos a gente como Jean Wyllis, ,o deputado big brother, a base da vida pública dele é polemizar para aparecer.
    Se preocupem com os Gladiadores da IURD quando eles começarem a perpetrar atos de violência ou ameaça. O que não vai acontecer.

  4. cidadão

    Quanto bobagem dita em tao poucos comentarios. Benzadeus! A negacao da realidade e os comentarios desconexos e aloprados demonstram as raizes do profundo preconceito.

  5. Franco

    Esse tal ‘cidadão” não tem como rebater e prefere atacar os comentaristas. Toma tento e abra o olho. Se tem alguém preconceituoso aqui é você e o autor (se não forem a mesma pessoa).
    Tire as viseiras que só apontam para aquele espaço diminuto da realidade onde vc tem razão. Há muito mais a ser visto e considerado.
    Abra sua mente de verdade e não como um militante que só considera o que lhe interessa para validar (daí sim) seu pré-conceito.
    Talvez vc tenha uma auto imagem muito positiva e isso lhe obscurece o processamento da realidade…

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