20:17Da Trilogia Suja de Havana

de Pedro Juan Gutierrez

– Passei muitos anos tentando me desprender de tanta merda que havia se acumulado sobre mim. Não era fácil. Se você passa os primeiros quarenta anos da sua vida sendo um tipo dócil, bem domesticado, acreditando em tudo o que lhe dizem, depois é quase impossível aprender a dizer “não”, “vão se foder”, “me deixem em paz.

– Se você tem ideias próprias – mesmo que sejam só umas poucas ideias próprias- , tem de compreender que estará sempre encontrando caras feias, gente que vai fazer questão de lhe dar o contra, de diminuí-lo, de ‘fazer você entender’ que não tem nada a dizer, ou que você deve evitar aquele sujeito porque é louco, ou efeminado, ou um verme, um vagabundo, outro porque é punheteiro ou voyeur, outro porque é ladrão, outro, macumbeiro, espírita, maconheiro, outra porque é canalha, indecente, puta, sapatona, mal-educada. Eles reduzem o mundo a umas poucas pessoas híbridas, monótonas, aborrecidas e ‘perfeitas’. E assim querem transformar você num excluído e num merda. Jogam você de cabeça na seita particular deles para ignorar e suprimir todos os outros.

– Desde então me incomodam muito essas duas palavras: correto e sensato. São falsas e pedantes. Servem para ocultar e mentir. Tudo é incorreto e insensato. Toda a história, toda a vida, todas as épocas foram incorretas e insensatas. Nós mesmos. Cada um de nós, por natureza, é incorreto e insensato, só que nos reprimimos para voltar para o cercado como boas ovelhas, e aplicamos rédeas e mordaças em nós mesmos.”

– É totalmente humano, então, ser um nostálgico, e a única solução é aprender a conviver com a saudade. Talvez, para nossa sorte, a saudade possa transformar-se, de algo depressivo e triste, numa pequena chispa que nos dispare para o novo, para entregar-nos a outro amor, a outra cidade, a outro tempo, que talvez seja melhor ou pior, não importa, mas que será diferente. E isso é o que todos procuramos todo dia: não desperdiçar em solidão a nossa vida, encontrar alguém, nos entregar um pouco, evitar a rotina, desfrutar de nossa fatia da festa.”

 

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