11:29A sustentabilidade insustentável

por Yuri Vasconcelos Silva 

Notícias, relatórios, e cientistas. Terror: trocar as lâmpadas por fluorescentes. Não. Agora são leds. Proibido sacolas plásticas, somente as biodegradáveis ou as que trouxe de casa. Deixar o carro em casa e usar as pernas ou bicicleta. Morar em edifícios com certificados verdes. Em uma avalanche de informações que transbordam por todos os lados, alguns estão perdidos, muitos confiam sem pestanejar e o restante nem ficou sabendo. Não se trata apenas do aquecimento global. Toda informação que emerge de pesquisas e observações científicas têm sua origem em uma floresta espinhosa conhecida como academia. O acesso a esta categoria de informação não é de fácil compreensão, como a política ou o futebol. No entanto, refletir sobre a tal sustentabilidade é imprescindível a qualquer habitante deste planeta.

É importante separar o joio do trigo. Criou-se um enorme mercado baseado em produtos e serviços que se autodeclaram sustentáveis, quando de fato não o são. O que parece ser o senso comum pode estar ocultando um fato contrário à intenção ambientalista do leigo. Instalar brises de alumínio nas fachadas envidraçadas pode até reduzir o consumo energético do ar condicionado dentro do edifício, mas a produção do alumínio do brise é mais prejudicial, pois devora quantidades imensas de energia para sua transformação. Os arquitetos Robert Vale e Kate Ravilious, da Universidade Victória na Nova Zelândia, surpreenderam quando divulgaram em uma revista científica que ter um cachorro de porte médio é mais impactante que possuir um carrão tipo SUV, por conta da área necessária para produzir a ração para o pet comparado à fabricação e uso do ultilitário. Indiretamente, um labrador produz mais gás carbônico de efeito estufa que um trambolho sobre quatro rodas. Desconhecer tais pesquisas é natural, já que elas não são populares na mídia e o terreno científico é movediço, em transformação o tempo todo. É natureza da ciência. Um dia o café faz mal, na manhã seguinte um artigo afirma que ele prolonga a vida.

Há uma questão, no entanto, que todos percebem, mas poucos colocam em pauta. O elefante na sala dos ambientalistas. Todos os esforços solicitados pelas ONGs, em nome da sustentabilidade, são medidas mitigadoras para diminuirmos a pressão que a humanidade imprime sobre o planeta. Mas, quantas vezes foi observado em um jornal ou documentário o impacto gerado pela inflação populacional que a raça humana testemunha? Não é possível sustentar tanta gente com recursos do mesmo planeta surgido há quatro bilhões de anos. Neste tempo, a população só aumentou, -já a Terra, não. Usar sacolas biodegradáveis e voltar para casa pedalando é um ótimo exercício físico e mental, de bem estar, com a satisfação de que fez sua parte. E isso é importante. Mas sempre existirá uma pequena voz incômoda que perguntará se de fato é suficiente diante de dilemas ambientais globais que mal compreendemos.

O assunto do crescimento demográfico é controverso, pois inevitavelmente passará pelo debate sobre controle de natalidade, o que para muitas sociedades soa como pecado ou até autoritarismo. No glorificado mundo livre, em especial no ocidente, controlar quantos filhos cada família pode gerar seria um atentado contra a idéia de individualidade, democracia e liberdade. Assim, em uma área tão sensível, são poucos os pesquisadores e cientistas que conseguem financiamento para seguir esta linha. É mais fácil conseguir verba para pesquisas na área da sustentabilidade. Por isso, ouve-se e compra-se apenas este jargão. Sustentável.

Com mais de sete bilhões comendo o que resta do planeta, utilizar papel reciclado e roupas de bambu vão apenas prolongar um pouquinho mais a agonia na superfície desta rara bola azul. Depois, desapareceremos – e ela, a Terra, continuará aqui por um bom tempo. Arranhada, mas aliviada.

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto

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