7:08Percepção e realidade

por Helio Schwartsman

Que há uma crise forte pela frente é indiscutível, mas qual sua real gravidade? Dá para avaliar objetivamente o que virá?

A resposta, infelizmente, é negativa. Não temos informação suficiente para proceder a essa análise e, mesmo que tivéssemos, a economia é uma ciência precária demais para possibilitar previsões confiáveis. A psicologia, entretanto, oferece ferramentas, não para medir o tamanho da crise, mas para pelo menos tentar corrigir nossas percepções e expectativas em relação ao futuro.

Desde que os psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky mostraram nos anos 70 que, na hora de fazer escolhas, o cérebro recorre a truques que nada têm de objetivos, cientistas já identificaram quase 200 vieses cognitivos que afetam significativamente nosso modo de interpretar dados e avaliar situações.

Um dos principais obstáculos ao pensamento claro são nossas preferências políticas. Assim, se você é daqueles que têm restrições ao PT, comece subtraindo alguns pontos da escala de gravidade que atribui à crise. Analogamente, se você é simpático ao governo, pense que as coisas podem estar um pouco piores do que sugerem os comentários de Dilma Rousseff e seus ministros.

Outro ponto a considerar é que lidamos mal com eventos negativos. Nossa tendência natural é supervalorizá-los. Como observou Paul Rozin, basta uma barata para estragar o apelo de uma tigela cheia de deliciosas cerejas. E não há cereja que torne apetitosa uma tigela de baratas.

Acrescente-se a esse viés de negatividade as imperfeições de nossa memória e podemos jurar que a crise presente, pouco importando qual seja a sua gravidade real, é sempre pior do que as passadas.

Não pretendo com essas observações edulcorar as dificuldades econômicas, que são grandes. Meu objetivo aqui é só lembrar que nossa percepção do cenário, seja ela qual for, está muito provavelmente errada.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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