16:44HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Capricórnio

Me falaram para dobrar a esquina e que lá encontraria a luz da vida. Duvideodó. Eu nunca enxerguei. Acho que, ao nascer, colocaram a minha alma num capuz escuro e manchado de sangue – e eu cresci assim. Cresci é modo de dizer. Fiquei lá no escuro tentando sentir o pulso, entender os outros. Como poderia? Tinha esse capuz e o cheiro do sangue dos que me fizeram e depois não souberam tirá-lo, mesmo porque também eram sufocados do mesmo jeito. Tentei abrir um buraco para respirar, para ver, mas acabei furando meu olho. Restou um que se abriu quando alguém disse uma palavra, que nem lembro qual era, mas que entrou sem pedir licença – e na hora certa. Digo isso porque, parado, só sentia um abismo em volta. Como dar um passo se não sei? Sempre tive medo, menos da sombra – porque não a vejo. Pensei muito em me jogar, acabar com essa angústia de anos, em vez de dar o passo. Mas… dei. E descobri que a esquina estava ali mesmo, a aparecer quando a sola do pé tocou o chão de terra. E ao dobrar a tal esquina estava lá uma rua tranquila, de casas simples e com árvores. Crianças brincavam, os velhos contavam histórias, os outros estavam no trabalho. Onde foi parar meu capuz negro com cheiro de sangue? Sumiu! Então pedi licença e sentei ao lado daqueles dois senhores de cabelos grisalhos. Eles me olharam sem espanto e brincaram: “Só se aboleta aqui quem tem coisa para dizer”. Eu tinha.

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