6:03Ah, esse dever que me consome!…

por Célio Heitor Guimarães

Aplausos para o editorial de terça-feira da Gazeta do Povo, reproduzido neste espaço pelo nosso sempre atento ZB. Jamais imaginei que um dia elogiaria, ainda mais publicamente, um editorial de jornal, porque, como se sabe, editorial de jornal é a opinião do dono. E com a opinião de dono de jornal dificilmente concordam jornalistas e leitores.

Mas, ao focalizar o “Auxílio-moradia para o TCE”, a Gazeta foi certeira. Com propriedade, eficiência e coragem, atingiu o âmago da questão.”Buscar a ‘isonomia’ com o Judiciário e o MP significa igualar-se na imoralidade, no desprezo pela sociedade, na fome de privilégios” – destacou o redator na abertura do texto, para, em seguida, colocar a nu a insólita falta de vergonha, de bom-senso e de civilidade levada a cabo por distinguidas autoridades públicas dos três poderes.

E nem seriam as atuais dificuldades de caixa do Estado o argumento principal para frear a voracidade dos conselheiros, auditores e procuradores do TCE – ressalta o jornal, aduzindo: “Há razões muito mais sólidas para que o TCE recue e dê um tão necessário exemplo ao Judiciário e ao Ministério Público, que não tiveram o menor pudor em empenhar dinheiro público em privilégios disfarçados de direitos”.

Essa questão – já tratada aqui – do “auxílio-moradia” concedido aos magistrados, em nome da “simetria” com o Ministério Público e depois concedido pelo MP aos seus integrantes, em razão da “simetria” com a magistratura, é uma chaga que deslustra e macula magistrados e membros do Ministério Público. E agora está sendo autoconcedida a conselheiros, auditores e procuradores do TCE – que, de fiscais da administração financeira pública e auxiliares do Poder Legislativo, viraram magistrados e se dizem compelidos a receber o benefício por força de resolução do Conselho Nacional da Magistratura (!)…

Na verdade, como expressa a Gazeta, trata-se de privilégios disfarçados de direitos: “Um verdadeiro auxílio-moradia consistiria no ressarcimento das despesas daqueles que, por terem de trabalhar em uma cidade diferente daquela onde têm residência, precisassem alugar um imóvel ou recorrer à rede hoteleira. O agente público – juiz, procurador, conselheiro – apresentaria a fatura das despesas com moradia e receberia de volta esse valor. Isso constituiria o caráter indenizatório do auxílio. No entanto, o benefício que o TCE busca para si é a repetição daquilo que magistrados e o MP se concederam: um mero adicional financeiro, cujo valor não tem a menor ligação com os preços do mercado imobiliário local e do qual não se exige nenhuma prestação de contas – ou seja, o beneficiário pode usar os R$ 4,4 mil como bem entender, e não precisa comprovar que o dinheiro foi gasto com despesas relacionadas à moradia. Isso jamais pode ser considerado verba indenizatória, por mais que os interessados digam o contrário. Trata-se única e exclusivamente de aumento salarial por vias tortas”.

O fato foi confirmado pelo juiz Celso Fernando Karskurg, do TRT da 4ª Região, que abriu mão do benefício por considerá-lo “antiético” e “imoral” e reafirmou tratar-se de uma maneira de “remediar defasagens salariais”.

Em janeiro deste ano, magistrados e todas as carreiras funcionais federais e estaduais a eles atrelados financeiramente conquistaram um ajuste salarial de 14,6% – índice bem superior a qualquer outra categoria trabalhadora. Nem por isso quem recebia cogitou suspender o recebimento do obsceno “auxílio-moradia”. Ou transformá-lo em verba remuneratória, como de direito, sujeita aos descontos de tributos e de taxas previdenciárias, além de submeter-se ao limite salarial. Pelo contrário, o objetivo do momento é dar efeito retroativo à regalia, isto é, receber atrasados correspondentes a quatro anos. Sem o menor constrangimento.

Por isso, a Gazeta revela-se ingênua ao apelar para a “nobreza” dos integrantes do colendo TCE e pedir-lhes que liderem pelo exemplo, recuando da pretensão e fazendo o que os outros beneficiados não souberam fazer.

Como resposta, o colendo TCE deverá dizer, como já disse o conselheiro Fernando Guimarães, que nada mais faz do que “aplicar o que está sendo aplicado no Brasil e no Paraná”. Trata-se, por conseguinte, do cumprimento de um “dever”.

Isso está claro na nota explicativa distribuída pelo órgão:

“O benefício é concedido desde março de 2014, em todas as instâncias, motivo pelo qual o seu não pagamento caracterizaria o inadimplemento de um direito reconhecido pelo STF”.

O fato de estar sendo bancado pelos contribuintes, muitos dos quais com remuneração salarial inferior ao valor do bendito “auxílio”, é mero detalhe que não tem a menor importância.

O pior é que é essa gente que nos protege, fiscaliza e julga…

Compartilhe

3 ideias sobre “Ah, esse dever que me consome!…

  1. jk

    O jeito que a coisa vai, teria que acabar com tudo isso zerar o Brasil e começar de novo, mas sem esse povo. ou seja tamo fu………………

  2. Mario

    esta questao do Auxilio Moradia é bem simples…. ele foi criado, como Auxilio… ou seja. Auxilio Moradia é para quem precisa de moradia… quando um Promotor, um Juiz, Dezembargador, um Delegado etc…, vai designado para um municipio ele recebe o AUXILIO… Agora do jeito que está sendo feito, Nao tem diferença com o pessoal da Lava Jato… sao Abutres do dinheiro publico!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  3. Carlos

    Auxilio moradia é pouco.
    Vamos as ruas incentivar auxílio combustivel, auxílio supermercado, auxílio cabelereiro, auxilio escolar, auxílio saúde, auxílio terno em Miami, auxílio alimentação, auxilio motorista particular, auxilio academia de ginastica, auxilio remédio, auxilio TV a cabo, auxilio viagem, auxilio dentista, auxílio psicólogo, auxilio diarista, auxilio funeral, auxílio celular 4 G, auxilio existência, auxílio do auxílio. Valor de R$ 5.000,00 cada, retroativos ao dia do descobrimento do Brasil.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.