12:23O que pensa o leitor

por Juca Kfouri

A OMBUDSMAN desta FOLHA, Vera Guimarães Martins, contou ontem que não são poucos os leitores que reclamam da cobertura considerada monotemática neste caderno de Esporte.

Caderno cada vez menor, reclama-se, como também registra a fiel e competente defensora do leitor.

Não estou aqui nem para contestá-la, embora pudesse, nem para defender o editor, porque, convenhamos, poderia suscitar dúvidas sobre um dos piores dos defeitos, o puxa-saquismo.

Prefiro lembrar dos tempos em que dirigi a revista “Placar”, ainda semanal.

Todas as pesquisas que fazíamos com leitores, ou com não leitores, sobre os esportes que gostariam de ver cobertos, registravam o handebol entre os cinco primeiros, provavelmente porque todos praticaram o esporte na escola. Editasse você uma revista especializada em handebol e, tenha certeza, morreria de fome. Só os jogadores e, talvez, seus parentes a comprariam.

Um belo dia, em 1984, porque “Placar” se aproximava da perigosa marca de menos de 100 mil exemplares semanais, a direção da Editora Abril resolveu que deveríamos transformá-la em “Placar Todos os Esportes”, aproveitando a febre do vôlei.

Reunimos o que havia de melhor na imprensa esportiva e não esportiva do país e fizemos uma primeira edição tão bela que recebi de Roberto Civita um bilhete em que ele dizia ter lido pela primeira vez uma edição da “Placar” de cabo a rabo – e olhe que a revista já tinha 14 anos. Elogiava particularmente uma reportagem sobre golfe.

Agradeci o elogio e o informei que, no entanto, e apesar da campanha de lançamento, a edição havia vendido apenas 75 mil exemplares, talvez pela falta de mais futebol.

Recebi de volta outro bilhete que dizia para eu não me preocupar, que estávamos trocando de público e que chegaríamos a uns 35 mil para depois crescer.

Poucas semanas depois,sempre recebendo elogios do dono da empresa a cada revista, escrevi para ele:”Roberto, caro; estamos chegando ao seu objetivo: vendemos 45 mil exemplares!”.

Não demorou muito para a revista voltar a cobrir só futebol, porque não havia Joaquim Cruz, Ricardo Prado, Montanaro, Vera Mossa, Oscar e Hortência que vendessem a revista como Sócrates, Zico, Careca, Falcão, Cerezo e companhia, embora já vivêssemos o êxodo de craques para a Europa.

O diagnóstico era certeiro: os antigos leitores ficaram bravos pela perda de espaço do futebol e os interessados nos outros esportes não eram em número suficiente para substituí-los.

Difícil dizer se o Brasil é o país do futebol porque só falamos de futebol ou se só falamos de futebol porque o Brasil é o país do futebol.

E o pior é que nem isso o Brasil é. Se fosse, mais gente iria aos estádios, cobraria os cartolas etc etc etc.

É claro que com a proximidade dos Jogos Olímpicos de 2016, ainda por cima no Brasil, o espaço aos demais esportes deverá aumentar, mas, acredite, se tomar do futebol a chiadeira será maior.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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Uma ideia sobre “O que pensa o leitor

  1. eldo leite

    caro, também fiz parte da brilhante equipe de Placar no final dos anos 1980…e posso te garantir: naquele lugar, lá nos prédios do Panambi, no bairro do Brooklin, em s. paulo, quando algum repórter, redator ou qualquer outro cargo que recebesse elogios de seu chefe, ou até mesmo do dono da empresa, deveria sair de lá no final do expediente e procurar por outro trabalho que, com certeza, seria demitido…a editora abril foi a única empresa que trabalhei onde elogios e eficiência profissional significava outra coisa no final das contas…é isso…abraço…

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