7:02O turco que não chegou à presidência

por Célio Heitor Guimarães                     

Gostaria de ter visto o gaúcho Pedro Simon chegar à presidência da República. Um homem que teve em Alberto Pasqualini o seu mestre e modelo e acredita firmemente na avaliação humanista do mundo do velho trabalhista, isto é, que o destino do homem é a felicidade e que só a alcançaremos pela liberdade, pela justiça e pela educação, merecia essa oportunidade.

Mas não só por isso. Pedro Simon merecia comandar o Brasil por ser um homem decente, íntegro, corajoso e sincero. No entanto, acredito que foram exatamente essas qualidades – incompatíveis com os homens públicos deste país – que lhe tiraram qualquer chance de assumir o comando da Nação.

Pasqualini ensinou Simon – segundo o jornalista Luiz Gutemberg, que lhe traçou “uma biografia”, para Edições Dédalo, de Brasília – a pensar, libertou-o do sectarismo e das ilusões e, sobretudo, ensinou-lhe a nunca escamotear a verdade, mas, ao contrário, expô-la sempre com destemor e clareza.

Meu amigo Paulo Motta, que também é gaúcho, mas não acredita em santo da própria paróquia, diz que Pedro Simon é apenas um histriônico. Não é. Ele é apenas um autêntico filho de libaneses, astuto, irônico e sentimental, que, como advogado criminalista, apurou na prática do Tribunal do Júri uma oratória dramática e popular, com alguns lances de teatralidade, por certo. Durante 32 anos, deu vida e inteligência ao Senado Federal. Além do que, foi um dos senadores mais assíduos e ativos da Casa. Sempre disse o que pensava e tinha toda a autoridade para dizê-lo.

Nunca conheci pessoalmente o senador Pedro Simon, mas sempre tive dele as melhores informações. De caráter e honradez. Depois de mais de 60 anos na vida pública, tem hoje menos do que o pai lhe deixou. E o pouco que tinha ainda distribuiu à família, quando ingressou na irmandade de São Francisco de Assis. Mas já era decente muito antes disso.

Certa feita, quando eu chefiava o departamento de patrimônio do Tribunal de Justiça do Estado e, com meus companheiros de trabalho, participava da resistência utópica pela moralização da administração pública, perguntei a um importante empreiteiro de obras públicas:

— Com sinceridade, ainda existe algum governo decente neste país; que não participe de patifarias e não achaque empreiteiras e fornecedores quando do pagamento das faturas que lhes são devidas?

Como bom bagre ensaboado, ele, a princípio, ainda tentou, é claro, negar a existência da prática repugnante, mas acabou confirmando-a. E respondeu:

— Dos que eu conheço, só aquele turco gaúcho.

O “turco” era Pedro Jorge Simon, que à época governava o Rio Grande do Sul. E eu, então, fiquei sabendo que, quando Pedro assumiu o cargo, reuniu a empreiteirada lá no Palácio Piratini e foi perguntando, assim na lata, quanto é que eles estavam acostumados a pagar para receber os seus créditos do governo estadual.

A surpresa foi tamanha que não houve tempo para rodeios.

— Vinte por cento – responderam-lhe.

— Pois vão continuar sendo 20% – decretou o governador Simon. “Só que, de agora em diante, devem ser descontados das faturas”.

Pedro Simon não chegou à presidência da República. Nem no Senado Federal está mais. Em um discurso de quase quatro horas de duração, despediu-se do Congresso no final de janeiro. Chegou às lágrimas e foi aplaudido de pé pelos seus pares. Em seguida, recolheu-se ao rincão portoalegrense. De vez em quando, talvez faça uma visita a serra gaúcha e a Caxias do Sul, sua terra natal e onde tudo começou.

Hoje, se diz um homem realizado, mas profundamente preocupado com a atual situação político-administrativa nacional. “Nunca vi um momento tão delicado como este que o país vive hoje” – confessou em recente entrevista para a revista Veja: “Estamos diante de um dos maiores escândalos de corrupção do mundo, o petrolão. Eu era menino quando Getúlio Vargas se matou. Mais tarde, vi Jânio Quadros renunciar com sete meses de mandato. Tivemos crise para tudo que é gosto. Mas nunca vi uma situação tão complicada como a de agora”.

Na mesma entrevista, Pedro Simon disse não deixar legado algum: “Sou apenas um velho de quase 85 anos”. Deixa sim, prezado senador. Um dos maiores legados já recebidos pelo Senado da República em toda a sua história. E nós, brasileiros que amamos esta terra, sentiremos muita saudade daquele turco atuante e abusado, que as tramoias e a patifaria da política nacional impediram de ocupar o Palácio do Planalto. Pobre Brasil!

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Uma ideia sobre “O turco que não chegou à presidência

  1. Sergio Silvestre

    Pobre Brasil de políticos pobres mas todos ricos.
    Fico com um pé atrás quando se fala em politico que se fosse bom na primeira desilusão pedia meu boné e saia.
    O Pedro Simon foi um dos mesmos,era murista e quando confrontava com alguém nos contra pontos no senado baixava a bola.
    Passou a vida sem a gente perceber uma coisa boa que fez pelo Brasil a não ser seus discursos inflamados e depois com um extintor apagava a chama e voltava a planície.
    E ali tem muitos ídolos de barro alem dele,que se curvaram nesse paraíso onde tem tudo de bom para seus pares.
    Eu não tenho por habito elogiar politico,mas o Pedro Simon se ficasse sem seus discursos seria um zero a esquerda,mas usava bem desse seu dom para tirar proveito.
    Poderia ter se aposentado antes,mas é bem melhor a vida em Brasilia num suposto trabalho de senador do que a solidão dos pampas.

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