7:21Chuvas de Março

por Yuri Vasconcelos Silva

Paulistano experimenta ansiedades contraditórias quando um trovão ecoa nos céus da metrópole. Esperança de que algum reservatório encha. Medo de que a cidade transborde. Curitibano não sente nada. No máximo a aporrinhação se precisar dirigir. Motorista daqui tem medo de dirigir sob chuva, como se os pneus e todo o resto fossem doces de açúcar. Perigo de se desmanchar.

O trânsito pode ficar lento, mas será bastante improvável vivenciar as enchentes que se repetem, verão a verão, nas principais cidades deste país tropical. Só que não foi sempre assim. Até meados da década de 1970, Curitiba também se afogava com as enchentes. O problema eram os rios que cruzam áreas adensadas, como o Centro e o Centro Cívico. As obras para a drenagem eram caras e insuficientes. A canalização de um trecho do rio, ou construção de reservatórios para acumulação, apenas deslocavam os locais das enchentes de um bairro para outro. A solução encontrada foi uma abordagem ampla e sistêmica para dar ao escoamento da água o que ele precisa: espaço e tempo. Espaço significava devolver ao rio o necessário para ele transbordar e se espraiar em seu leito. Tempo era o período necessário para que a água fosse absorvida pelo solo naturalmente, fazendo com que os rios voltassem ao nível natural de seu leito.

O projeto imaginado era, no entanto, muito mais caro e dispendioso que as tradicionais soluções ineficientes da drenagem tradicional. Curitiba teve então uma solução não-convencional para acessar os recursos necessários para a empreitada. O Governo Federal disponibilizava dinheiro apenas para projetos tradicionais, ou seja, grandes obras de concreto e escavações para o problema das enchentes. Assim, a Prefeitura apresentou o projeto conforme os parâmetros solicitados. Conseguiu a verba.

Antes da execução, o verdadeiro projeto contra enchentes surgiu e surpreendeu. A proposta selecionou pontos cruciais nos cursos dos rios e desapropriou áreas extensas não apenas na área inundável – o fundo de vale – como além deste. Criou barragens para regular a vazão do rio e, como consequência, lagos que funcionam como reservatórios de cheias. Para completar, criou parques municipais no entorno, pois assim impediria que outras invasões pudessem ocupar a área. Desta forma, a função primordial dos conhecidos Parques Barigui, São Lourenço, Iguaçu e outros, é regular as cheias dos principais rios e afluentes que cortam Curitiba.

Os parques existem para permitir o transborde e impedir enchentes em locais adensados. A legislação do Uso do Solo é um importante coadjuvante no combate aos alagamentos. A lei exige que boa parte da área não construída nos lotes seja permeável, que as calçadas contemplem trechos ajardinados, que edifícios com grande adensamento construa cisternas para acumulação da água de chuva, e ser liberada aos poucos nas galerias pluviais. Assim, as águas que do céu caem logo encontram o solo para se infiltrar e continuar sua jornada até os lençóis freáticos.

Chuva que bate apenas em asfalto, concreto, sarjeta, corre por muito tempo na superfície, tentando encontrar seu caminho para baixo. Como não acha, ela se acumula e vira uma poça, para crescer e ser uma piscina e depois um rio no meio da cidade. De um jeito ou de outro, a natureza vai encontrar uma maneira de seguir seu curso, à revelia dos homens e da cidade.

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto

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