10:13A CNT é Universal

Da Folha de S.Paulo, em reportagem de Ricardo Mendonça

Governo começa a fiscalizar aluguel de TV para a Universal

Por determinação da Justiça Federal, o Ministério das Comunicações instaurou quatro procedimentos administrativos para fiscalizar programas da Igreja Universal do Reino de Deus em emissoras de televisão da Rede CNT.

Controlada por familiares do ex-presidente do PTB José Carlos Martinez, morto em 2003, os canais da rede transmitem programas da denominação do bispo Edir Macedo 22 horas por dia, conforme contrato firmado em 2014 e válido por oito anos.

O Ministério das Comunicações confirmou que estão sendo fiscalizadas as quatro concessões da Rede CNT: TV OM de Curitiba; TV OM de Londrina (PR); TV Corcovado, do Rio de Janeiro; e TV Carioba, de Americana (SP).

Embora o governo fale na necessidade de regulação da mídia –causa defendida há anos pelo PT– a ordem de fiscalização partiu do juiz federal Djalma Moreira Gomes, da 25ª Vara de São Paulo.

Em decisão liminar, ele concordou com o Ministério Público Federal, que, numa ação civil pública, acusou o governo de omissão em relação às normas já existentes.

Apoiada em pareceres dos juristas Celso Antônio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato, a Procuradoria questiona a legalidade do contrato CNT-Universal alegando que o acordo caracteriza alienação da concessão.

Ainda que seja interpretado como publicidade, o negócio é irregular, dizem os procuradores, pois extrapola o limite legal para propaganda, de 25% da programação.

Na ação contra o governo, a CNT, a Universal e seus respectivos representantes legais, a Procuradoria pediu uma liminar (decisão provisória) estabelecendo bloqueio dos bens dos envolvidos e suspensão imediata das concessões, entre outras medidas.

Foi na resposta a esse pedido de liminar que o juiz determinou a instauração da fiscalização. A ordem é extensiva à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

Apesar de ter negado os demais pedidos, o magistrado, em diversos trechos da decisão, sugeriu concordar com os argumentos da acusação.

Afirmou que os fatos narrados na peça inicial da ação já estão “suficientemente comprovados” e que “é robusta a plausibilidade dos argumentos no sentido de que houve a transferência [da concessão] para terceiros”.

O juiz refutou a expressão “puxadinho hermenêutico”, usada por advogados da TV OM de Curitiba para desqualificar a tese da acusação em uma defesa prévia.

E disse ainda que “faz sentido” a alegação de que o governo federal tem permanecido “inerte” nessa área.

Em sua primeira manifestação jurídica sobre o caso, o governo afirmou que não sabia dos problemas listados pelos procuradores. Em manifestações anteriores, como uma entrevista do ex-ministro Paulo Bernardo à Folha, o governo já disse que, do seu ponto de vista, não há lei específica que vete acordos como o da CNT com a Universal.

CONCORRÊNCIA

O milionário mercado de aluguel de horários da programação de rádios e TVs é alimentado por empresas de televenda, entidades de representação de classe e, principalmente, igrejas evangélicas neopentecostais.

Entre as concorrentes da Universal que usam essa estratégia de expansão estão a Igreja Internacional da Graça, do missionário R. R. Soares, e a Igreja Mundial do Poder de Deus, do apóstolo Valdemiro Santiago.

A própria CNT já alugava nacos de sua grade para Valdemiro e para o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, antes de fechar acordo que entrega 22 horas diárias à Universal.

Bandeirantes, Rede TV! e Gazeta são algumas das emissoras que fazem esse tipo de negócio. Globo e SBT não alugam pedaços da programação, mas algumas de suas retransmissoras já fizeram isso.

Além da CNT, a Procuradoria faz acusações semelhantes contra a Rede 21 (do grupo Band), que também fez acordo de 22 horas diárias com a Universal. Neste caso, porém, o juiz federal da 11ª vara negou todos os pedidos de liminar.

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Emissora e igreja afirmam que não há ilegalidade em contrato

Em defesa prévia enviada à Justiça Federal de São Paulo, a Rede CNT refutou a acusação de alienaçãode sua outorga dizendo que o grupo “continua exercendo o controle e operação de suas concessões de forma absolutamente independente, permanecendo responsável pelas atividades de seleção e direção de sua programação”.

Afirma ainda que seu acordo com a Igreja Universal tem “natureza comercial” cujo objeto “não tem o condão de imiscuir-se na gestão do serviço público”.

Segundo a empresa, “não há que se falar em arrendamento e, muito menos, em transferência de concessão”.

Sem entrar no mérito a respeito do tempo de programação cedido à Igreja Universal no acordo questionado pelo Ministério Público, a peça diz ainda que tal contrato não fere os limites legais de veiculação de publicidade.

Folha pediu entrevista com algum representante da empresa ou com seu advogado por meio do escritório de advocacia que a defende, mas não houve retorno.

UNIVERSAL

Em manifestação por escrito, o Departamento de Comunicação Social e Relações Institucionais da Igreja Universal afirmou que “a locação de espaço na grade de emissoras de televisão para a exibição de produções independentes é prática legítima e usual do mercado brasileiro, sendo exercida por todas as redes de TV, e não é vedada pela legislação em vigor”.

A igreja cita uma Nota Informativa emitida pelo Ministério das Comunicações para sustentar essa posição.

A denominação evangélica afirmou que “reitera sua convicção de que meios de comunicação social, como televisão, rádio e Internet, podem e devem ser utilizados como canais evangelísticos, ultrapassando as barreiras da distância e levando uma palavra de vida e fé a qualquer lugar do mundo”.

Na nota, a igreja argumentou ainda que “todos os programas produzidos e veiculados pela Universal no Brasil e em outros países cumprem o objetivo principal de Jesus, de alcançar o maior número de pessoas e propagar o Evangelho”.

 

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