11:03Carmen à portuguesa

por Ruy Castro

A encarregada de guiar os visitantes pelo museuzinho dedicado a Carmen Miranda em Várzea de Ovelha, no norte de Portugal –onde Carmen nasceu, em 1909, e de onde saiu para o Brasil naquele mesmo ano–, não parecia fã da cantora. “Foi-se embora e nunca mais cá voltou”, resmungou, numa crítica à mulher que era a razão do seu próprio trabalho. Argumentei que não fora bem assim.

“Carmen nunca saiu daqui”, eu disse. “Ao ir para o Brasil, era como se continuasse em Portugal. Em 1909, o Rio era a segunda maior cidade portuguesa, só perdendo para Lisboa. Abrigava mais portugueses natos do que o Porto. Carmen foi criada na enorme colônia portuguesa do Rio. E morreu portuguesa –nunca se naturalizou brasileira”. A garota parecia surpresa: “Ai, é? Não sabia disso!”. E descobriu ali uma nova Carmen.

Era tudo verdade –mas também um certo agá de minha parte porque, como se sabe, a pequena Carmen logo se tornaria uma exuberante carioca e, de 1929 a 1939, o maior nome da nossa música popular. E esse é que foi o problema: a fabulosa carreira brasileira de Carmen mal chegou a Portugal. Eles só a conheceram em sua fase hollywoodiana, a de “Mamãe eu quero” e dos turbantes de frutas, de 1940 até sua morte, em 1955.

Agora, 60 anos depois, um grupo português, o Real Combo Lisbonense, formado por oito músicos e três cantoras, começa a reescrever esta história. A bordo de um esplêndido CD, “Saudade de Você”, e de shows por Portugal, eles estão reapresentando Carmen a seus patrícios, com interpretações de seus clássicos como “Adeus, Batucada”, “Na Baixa do Sapateiro”, “Absolutamente”, “Paris” e sete outros, com um delicioso acento luso –como Carmen, um dia, poderia tê-los cantado em família.

Os portugueses querem repatriar Carmen Miranda. É o que também precisamos fazer.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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