13:38Viva a falta de respeito, humor não é ofensivo

por Gregório Duvivier

Um dos problemas de morrer é esse: vão falar muita asneira a seu respeito. E você já nem pode se defender. Não bastou serem fuzilados, os cartunistas do “Charlie Hebdo” foram vítimas de um massacre póstumo.

Pessoas de todas as áreas de atuação lamentaram a tragédia, MAS (não entendo como alguém, nesse caso, consegue colocar um “MAS”) lembraram que o humor que eles faziam era altamente “ofensivo”.

Poucas coisas irritam mais do que a vagueza desse termo “ofensivo” quando usado intransitivamente. Ofensivo a quem? A mim, definitivamente, não era. “Eles não deviam ter brincado com o sagrado”, alegam alguns. MAS (aqui sim cabe um “mas”) o que define o humor é exatamente isso: a brincadeira com o sagrado.

Discordo de quem pede respeito pelo sagrado. Para começar, acho que a palavra respeito é uma palavra que não cabe. Uma vez, vi o Zé Celso pedir a um jovem ator que não o tratasse por “o senhor”, mas por “você”. O ator disse que não conseguia porque tinha muito respeito por ele. E ele respondeu: “Não me interessa o respeito. O que me interessa é a adoração.”.

O espaço da arte não é o espaço do respeito, mas o espaço da subversão, ou então da reverência, do culto. Do respeito, nunca.

No mais, tudo é sagrado para alguém no mundo. A maconha, a vaca, a santa de madeira, o Daime, Jesus e Maomé: tudo merece a mesma quantidade de respeito, e de falta de respeito.

Esperava essa reação raivosa dos fanáticos religiosos. No Brasil, o fundamentalista prefere os meios oficiais: não usa metralhadoras, mas tem bancada no Congresso e milhões no exterior.

Muitos (dentre os quais o pastor Marco Feliciano) já externaram o desejo de que o Porta dos Fundos “brincasse com islamismo pra ver o que é bom pra tosse”. Até nisso temos complexo de vira-lata: nosso fundamentalismo tem inveja do deles.

O que nunca imaginei era que a mesma reação de “fizeram por merecer” partiria da própria esquerda. Muitos condenaram as charges como sendo islamofóbicas e lembraram que os imigrantes islâmicos já sofrem preconceito demais na França.

Mas esses imigrantes não eram os alvos, definitivamente, do humor do cartunistas assassinados. O embate não era entre franceses e não franceses, mas entre humor e fanatismo.

O traço infantil talvez confunda o leitor desavisado, mas é bom lembrar que as charges do “Charlie Hebdo” não tinham nada de ingênuas: eram facas afiadas na goela do ódio.

As coletâneas de capas do semanário sobre islamismo fazem parecer que esse era o grande tema do jornal. Não era. O jornal atirava para todos os lados, mas o alvo preferido era justamente a extrema direita de Le Pen –esse sim, islamofóbico.

Os chargistas que, mesmo ameaçados, não baixaram o tom, não devem ser tratados como pivetes malcriados que “fizeram por merecer”, mas como artistas brilhantes que morreram pela nossa liberdade. Nosso dever é continuar lutando por ela, sem fazer concessões nem perder aquele ingrediente essencial: a falta de respeito pelo ódio.

A questão por trás disso tudo é a mesma de sempre: existe limite para o humor? A questão é complexa, mas a melhor resposta parece ser a seguinte: o limite está no objeto do riso. Rir de quem está por baixo é covarde, rir de quem está por cima é corajoso. Deve-se rir do opressor, e não do oprimido.

O problema é que essa resposta gera novas perguntas. Quem é o oprimido? Quem é o opressor? Muitas vezes, essa distinção não é clara.

Uma dica: quando surgir a dúvida sobre quem é o oprimido e quem é opressor, em geral, o indivíduo que foi fuzilado é o oprimido.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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9 ideias sobre “Viva a falta de respeito, humor não é ofensivo

  1. Diogo Almeida

    Este rapaz realmente foi para a Porta dos Fundos… mais uma coluna vigarista, delinquente.

  2. Pingback: Charlie Hebdo | Solda Cáustico

  3. Hary

    O desrespeito às divindades deve ser punido pelas próprias divindades. Humanos exercitarem o ódio assassinando em nome destas divindades só prova que estas divindades não existem.

  4. oto lindenbrock neto

    O mundo só será livre quando o último sacerdote morrer enforcado nas tripas do último ditador.

  5. Franco

    Como é primário e raso o pensamento de alguns aqui viu… ” – Ainnn religião é pra burrinho e causa violência”… Por favor ! O que causa violência é o ser humano, esse ser complicado. Brigam também por futebol, então o futebol gera violência ? Parem com isso, tá ficando chato.
    Quanto ao abobado do Duvivier, nada além do que ele está acostumado a dizer: bobagens.
    Será que é legal agredir o sentimento religioso desse jeito? Talvez os analista só tenham visto as charges que a Globo mostrou, mas há outras bem piores, que não convém sequer mostrar na TV. Todas feitas para achincalhar o sentimento religioso de um grupo. Exemplo: um Maomé pelado, de quatro com as partes expostas ? Uma suruba de bispos? A Trindade… bom, procurem.É vergonhoso.
    Liberdade de expressão é liberdade para ofender ? Mostrar a religião islâmica de maneira ridícula não é islamofobia? Então teremos de ser tolerantes contra os que são intolerantes? Acho que ferir sentimento religioso deveria sercrime. Não acredita? Por que se incomoda então? Ah, para polemizar e vender …
    – ” Ainnn mas é só um desenho, que mal pode fazer ” . Ah tá, ofendem, escracham, riducularizam e depois dizem que “é só um desenho” ? Uma imagem pode fazer muitas coisas, e é mais uma maneira de expressar ideias, amor, odio.. Sem esse papo de que “é só humor”.
    Desenhem a suas mães numa suruba … É só um desenho… É só uma foto, é só um texto, é só …
    Eu não acho que a pena por babaquice e falta de respeito deva ser a morte. Mas os fanáticos acham…

  6. J Duarte

    Concordo com o Franco. Perfeito raciocínio.
    Não quero fazer defesa de ninguém, abomino a violências mas…Vão mexer com o que não é de direito.

    Deixe que os caras de virem por lá…

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