6:37Banzo Natalino

de José Maria Correia

Ah e essa tristeza estranha que me abate e me prostra todos os finais de ano e nenhuma tarja preta resolve.
Esse Banzo Natalino, esse adormecer dos anjos que me definha o espírito e me curva os ombros.
Ah esse sentimento atávico e indefinido  que carrego de meus ancestrais portugueses ,a síndrome da perda de Dom Sebastião, o rei encantado desaparecido para sempre aos 24 anos e por séculos aguardado com a melancolia do Tejo.
Esse lamento e esse definhar do espírito que silenciava as senzalas e os tans tans enquanto os negros escravizados choravam pelas relvas, as planícies, as montanhas e os rios da mãe África de caça abundante e cachoeiras de águas frescas.
Ah essa dor no peito e a garganta rouca de cânticos que se escondem na alma profunda e  evocam a busca desesperada da criança ao lado do pinheiro, não pelos presentes que já importaram tanto e já não importam mais, mas sim da própria infância que era tudo e dos pais que se foram como as luzes das estrelinhas que se apagaram em definitivo e me deixaram na eternidade das sombras e das brumas.
Ah esse Natal tão simples e inocente na minha rua antiga de portas e janelas  abertas onde tudo hoje é memória e onde a mãe com suas mãos delicadas embrulhava cada pequeno pacote e servia a mesa na toalha bordada por ela para a noite sagrada, enquanto o pai cochilava no sofá o sono dos justos antes da  chegada dos  tios e dos primos .
É esse Natal de reminiscências que me faz um andarilho deslocado, estranho e
perdido nos corredores feéricos dos shoppings, refletido em vitrines espelhadas onde não me reconheço ,apenas um entre tantos senhores, um Dom Casmurro em seus caminhos de saudades  e desencanto.
Ainda assim é Natal, mesmo para os tristes e talvez em algum canto de loja ou escada se encontre uma ou outra alusão ao aniversariante.
Então, et pourtant, ainda vamos.
Feliz Natal aos que nos reuniremos e também aos que estaremos distantes.
Um brinde !
Aos encontros, desencontros e reencontros.
Às chegadas e às partidas.
Ao Amor que é mais forte que tudo.
Aos amores felizes e intensos e aos amores infelizes e densos porque são os maiores.
Aos definitivos e aos passageiros.
Aos recuerdos e aos nossos sonhos que alimentam nossas fantasias e nossas esperanças , mesmo as irrealizáveis que nunca nos abandonam.
E finalmente à alegria – e onde para mim se esconde essa amiga?
Que venha para todos nós essa quimera e principalmente para os que estarão sós, mesmo na multidão.
Um brinde para vida .
Feliz Natal
E que as ilusões permaneçam para sempre em nossos corações.

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Uma ideia sobre “Banzo Natalino

  1. Ivan Schmidt

    Parabéns José Maria… ainda é Natal mesmo para os tristes! Parece um verso de Fernando Pessoa…

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