6:28A arte milenar do furto

Por Ivan Schmidt

Ao prezado amigo Franklin Furtado

O grande Alceu de Amoroso Lima considerou o livro uma das dez obras primas de sua relação pessoal ao referir-se à obra escrita pelo intelectual mineiro Afonso Pena Junior, ou seja, A arte de furtar e o seu autor. O relato consta do livro Brasil, segredo de Estado (Record, RJ, 2001), escrito pelo diplomata e historiador Sérgio Corrêa da Costa, que lembrou a polêmica de pelo menos três séculos em torno do legítimo autor de A arte de furtar, que chegou a ser atribuída ao jesuíta Antonio Vieira.

A primeira edição do livro – cuja tese central é a universalidade do roubo — apareceu em 1652, creditada a um “português anônimo mui zeloso da pátria”. Corrêa escreveu que “por não poupar as esferas oficiais e os abusos dos poderosos, a começar pelos reis, esse depoimento cruel sobre a vida social da época da Restauração só poderia ser divulgado sob rigoroso anonimato para assegurar a proteção do autor”.

A primeira edição brasileira do livro em questão foi publicada pela Livraria Garnier, do Rio de Janeiro, em 1907, acompanhada de estudo crítico assinado pelo acadêmico João Ribeiro, também responsável pelas notas históricas e filológicas e cuidadosa revisão. Seguem-se três edições sempre atribuídas ao padre Antonio Vieira, qualificado como “zeloso da pátria”.

Contudo, a polêmica da autoria prosseguia e inúmeros nomes foram apontados pelos pesquisadores, até que Afonso Pena Junior tornou pública a descoberta do verdadeiro autor da Arte, o cidadão português Antonio Souza de Macedo. Suas conclusões foram baseadas em extensa e implacável busca de evidências da autoria, incluindo a comparação de determinadas passagens e a forma da dedicatória.

Ao tratar dos oito prováveis autores do livro, Pena apresentou amplo painel da Restauração portuguesa depois de mais de meio século de dominação espanhola (1580-1640), ajudando o pesquisador a compreender melhor o que se passava no Brasil. Ao pesquisar a autoria, diz Corrêa, o mineiro “nos dá visão magistral da fraqueza de Portugal, da necessidade de recurso ao gênio político na falta de músculo militar, e dos riscos que correu a unidade brasileira quando a monarquia portuguesa se sentiu coagida e se dispôs a ceder o Nordeste aos holandeses”.

Assim, a Arte de furtar e o seu autor, além de elucidar um enigma literário que perdurou por três séculos, lançou luz sobre uma prática – corrupção e suborno – que tudo leva a crer perpetuou-se ao longo dos séculos como um estigma da soldagem histórica entre Portugal e Brasil.

“Para benefício do leitor atento ao quadro brasileiro contemporâneo”, Sérgio Corrêa da Costa transcreveu uma citação de Macedo sobre os que “furtam com unhas vagarosas”. É a seguinte:

“Que coisas são as demoras de um ministro que não despacha? São despertadores contínuos, de que lhes deis alguma coisa, e logo vos despachará. E porque o tal é pessoa grave, e que se peja de aceitar às escâncaras donativos, remete-vos ao seu oficial, quando aperteis muito com ele; e o oficial traz-vos arrastado um mês, e dois meses, e às vezes seis, com a escusa ordinária de que não acha os papéis, porque são muitos os de seu amo, e que os tem corrido mil vezes com diligência extraordinária, que os encomendeis a Santo Antonio: e a verdade é que os tem na algibeira, de reserva, esperando que acabeis já de lhe dar alguma coisa”.

Tendo em vista a advertência de Corrêa a cidadãos atentos ao cenário contemporâneo do país (o livro é de 2001), desembarquemos no Brasil atual.

Os jornais de quarta-feira (10) anunciaram nas manchetes principais que a Polícia Federal está indiciando 12 executivos das maiores empresas de engenharia civil pilhados pela Operação Lava Jato, suspeitos de participação no esquema de corrupção na Petrobras. Os executivos pertencem a empresas do porte da Mendes Junior, OAS, Queiroz Galvão e Galvão Engenharia, e as acusações abrangem crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro, fraude a licitação, falsidade ideológica e falsificação de documento. Nem Santo Antonio conseguiria sustar tal apego à ilegalidade.

A propósito do Dia Internacional de Combate à Corrupção (terça-feira, 9), em evento realizado em Brasília, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fez duro discurso sugerindo a “substituição” da atual diretoria da Petrobras, ao reiterar que o escândalo deixa estupefato o povo brasileiro, além de produzir “chagas que corroem a probidade da nação”.

Em outras palavras, Janot disse abertamente que enquanto os cidadãos prestantes, os que têm responsabilidade e vergonha na cara trabalham de sol a sol para abarrotar os cofres municipais, estaduais e federais, maganos encastelados em postos privilegiados na administração pública e em algumas empresas roubam com uma facilidade que tornaria Ali Babá um reles trombadinha.

Diante da desastrosa administração da maior empresa brasileira, Janot recomendou um olhar detido “em especial sobre os procedimentos de controle a que está submetida”, além de assegurar que “corruptos e corruptores precisam conhecer o cárcere e precisam devolver os ganhos espúrios que engordaram suas contas, à custa da esqualidez do tesouro nacional e do bem-estar do povo”. O procurador acrescentou que “a corrupção também sangra e mata” e que “o país não tolera mais a desfaçatez de alguns agentes públicos e maus empresários”.

Mais claro, impossível, tanto que ato contínuo Dilma Rousseff visivelmente agastada com a fala do procurador-geral determinou ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a convocação de entrevista coletiva para a defesa, especialmente de Graça Foster. Janot não citou nomes de empresários ou diretores da Petrobras, mas calculadamente tocou no nervo exposto do governo, que faz das tripas coração para esconder ou amenizar o impacto destrutivo desse que é o maior escândalo de corrupção já registrado em Pindorama.

O afastamento da diretoria atual da Petrobras soaria como evidência pública da vontade do governo Dilma em levar à última instância o processo de corrosão da maior empresa nacional.

Rodrigo Janot merece o respeito da cidadania pelo exemplo de servidor público inteiramente voltado ao cumprimento do dever. Da mesma forma que o juiz federal Sérgio Moro, que em momento algum se intimidou no enfrentamento dos crimes cometidos contra o patrimônio público. E também os delegados da Operação Lava Jato, cujo trabalho foi feito sem alardes e vazamentos bombásticos para a imprensa, que ocorreram, a meu ver, em momentos estratégicos criteriosamente estudados.

Janot, Moro e seus colaboradores têm o respeito da nacionalidade. Eles representam com mais legitimidade o sentimento do povo do que certos inquilinos de palácios luxuosos (ou luxuriantes), em que vivem como se estivessem fora da realidade.

Rezemos para que dessa vez os ladrões tenham as unhas definitivamente cortadas.

 

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2 ideias sobre “A arte milenar do furto

  1. Sergio Silvestre

    Se não tivesse o contraventor,segundeiro e os sicários contumazes a justiça seria pífia,advogacia seria um curso não muito procurado e a matéria prima que alimenta esse dragão gulosos sem a fartura de hoje eles acabariam carpindo café ou outra ocupação teriam.
    Pais que forma mais advogados que médicos,dentistas ,agrônomos e engenheiros está fadado a ser burocratizo,com uma justiça emperrando o desenvolvimento.
    Noto até na politica onde um candidato hoje é cassado e logo em seguida e posto no cargo novamente.
    Eu acho que isso é feito já com uma intensão de mover o colegiado para que tenham muito serviço que alguns as vezes são fortunas pagas.

  2. Sociedade Responde

    Em outras palavras o que Junot está dizendo é que, lamentavelmente, a corrupção está alarmante no país, nunca visto com tanta avidez na história desta república. ** Diz mais, nas entrelinhas: que a ética e a moralidade pública foram colocadas na lata do lixo. ** Que os poderosos do poder se abraçaram na corrupção e no desmando transformando a Pátria em terra de perversos e usurpadores do erário, como bem demonstrou o encarceramento de figurões da política dominante na Papuda. ** E, como não poderia deixar de ser, reafirmou, por outras palavras, que é preciso punir com severidade para dar o exemplo e mudar a história recente e das banalidades que estão guindando o Brasil ao topo dos países mais corruptos do mundo! ** É preciso dar um basta nisso. E para segurar a ganância dessa gente, só mesmo o encarceramento e o isolamento como de direito a qualquer presidiário que faz das leis papel higiênico.

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