8:45A musa Agá Dois Ó

por Yuri Vasconcelos Silva

Com todas as atenções voltadas para a régua dos reservatórios e para o céu acima, a população percebe que a água de fato existe – por enquanto – e é importante. Tal qual o guarda-chuva menosprezado em dia bonito, este ganha status de utensílio essencial quando cai o temporal sobre os desprevenidos. Água, no entanto, sempre foi vital. O corpo humano não passa dois dias sem. A indústria ou o restaurante, nem sequer uma manhã. Em termos de infraestrutura, líquidos têm o péssimo costume de serem chatos quando transportados, acumulados, purificados. Compare com a eletricidade. Da fonte geradora até a cidade, cabos de variadas bitolas levam sem muito transtorno muitos watts em forma de elétrons. Eles sobem, descem, se estrangulam, se amplificam de maneira espantosa, desde que se saiba lidar bem com eles. Saem da usina e chegam na tomada do abajur sem pestanejar muito. Água não. Ela tem massa, volume, peso, impurezas. Não sobe sozinha além do nível em que estava. Vaza por qualquer orifício, se contamina por qualquer gota de óleo ou larva de aedes aegypt. Evapora e voa. Congela e expande. Para sair do reservatório até chegar à torneira de uma casa, precisa ser bombeada, passar por tubulações de larga espessura, ser filtrada e purificada com outros produtos químicos, ser de novo bombeada até reservatórios altos para contar com a ajuda da gravidade pro resto. Precisa de espaço físico para chegar e se espalhar pela cidade e pela casa. Deve ser enterrada ou ocupar de forma espaçosa o interior de paredes, ao contrário dos esbeltos cabos de energia, que passam suspensos, feios e finos nos postes. Quando a água escorre livre em alguma pia, ela está apenas na metade deste épico caminho. Logo que pelo ralo entra, um imenso sistema reverso se inicia. É o esgoto. Agora a tarefa é levar a água suja, sem contaminar a limpa ou os solos, até uma estação de tratamento para purificá-la novamente. Bombas, tubulações, espaço físico, gravidade, decantação e mais um sem número de ferramentas entram em ação para transportar de volta a água que foi suja para lavar um par de mãos. Parece absurdo imaginar que praticamente todo o sistema é entubado para só apresentar uma ruptura, um pequeno corte, quando encontra um humano que precisa escovar os dentes.  Percebe-se que todo este aparato para transportar água limpa e suja é caro e invisível. Talvez por isso as obras de saneamento são as mais atrasadas no país. E que é mais fácil prometer luz do que saneamento básico. O Brasil tem provavelmente a maior reserva de água doce do mundo e, ao contrário do petróleo como fonte de energia, não pode ser substituída por outro líquido para saciar a sede humana. Ela falta de fato em muitas regiões, como no Oriente Médio, que planeja transportar icebergs para suprir a demanda vindoura. Num futuro não distante, a água poderá ser um dos recursos mais valiosos. Não pela falta, mas pela má administração dela. Se não é possível planejar desabastecimentos pontuais por conta de flutuações climáticas em algumas zonas, como ocorre no sistema Cantareira, o que esperar da proteção e soberania de nosso grande recurso hídrico diante de um mundo sedento?

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto

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2 ideias sobre “A musa Agá Dois Ó

  1. Sergio Silvestre

    Ainda tem muita agua…..suja.
    Me lembro do Rio Tibagi quando vim ao Parana era o ano de 1963 eu tinha 9 anos de idade e se ouvia da minha casa o barulho das corredeiras de acordo com o vento e silenciava um pouco a noite até parecendo que elas também dormiam.
    O rio era de uma beleza impar,água cristalina até nas enchentes não avermelhava tanto por causa da nossa terra roxa,e os cardumes de piracanjubas e tabaranas e os predadores dourados eram fartos na e poca.
    Sempre acompanho o Tibagi até por morar perto dele e só me desapartei enquanto fiquei fora do Brasil por 7 anos e vi o rio envelhecer junto comigo.
    Onde eram corredeiras hoje é um lago tétrico com esqueletos de grandes arvores ainda pinçando em pontos negros a água já limoenta.
    Até os peixes mudaram,hoje tem tipos exóticos e algum sobrevivente dos grandes pintados vivem como eremitas no que resta dos poções do rio.
    Vi essa frase no filme”INTERESTELAR”para nós começar a pensar no planeta,pois vamos ter celulares,carros e toda tecnologia possível mas não teremos água e comida e ai meu caro,toda tecnologia e seus colaboradores vão começar a pensar nesses apelos e se não for tarde demais,ficaremos mais um tempo por aqui,senão…

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