7:16Todos olhando para a TV

por Gregório Duvavier

“Sabe, Chaves, quando assisto tevê, não consigo dormir.” “Pois pra mim é o contrário: quando estou dormindo, não consigo assistir tevê”, respondia o Chaves.

Meus pais tentaram, por muito tempo, criar os filhos ao abrigo da televisão, do chocolate. Não durou muito tempo até perceber que ambos são tão inevitáveis quanto a catapora, e quanto mais tarde chegam, pior é. A primeira vez que comi chocolate, me lembro da sensação de revolta: onde é que isso estava escondido esse tempo todo?

Aconteceu também com Chaves e o Chapolin. Amava Bolaños como a um irmão -mas não certamente como o meu irmão o amava- João tinha todos os bonecos de banheira, e o álbum, e o xampu. Talvez para se eximir da culpa de estarem deixando os filhos assistirem ao SBT, os pais declaravam em voz alta: “isso não é tevê, isso é teatro”. E se juntavam a nós, perplexos, tentando entender como aquele ser chapliniano tinha garantido seu espaço na tela, e sobretudo naquele canal, espremido entre aviõezinhos de dinheiro e mulheres seminuas procurando um sabonete na jacuzzi.

Chaves conseguiu um milagre: erigiu-se na grade selvagem da TV aberta brasileira sem nudez ou palavrões, pegadinhas ou pirotecnias.

Numa cena célebre, Quico está mostrando o desenho que fez para o Professor Girafales: é um pão com ovo. Chaves mostra o que preparou -mas apenas uma folha em branco. O professor, revoltado, alega que Chaves não desenhou nada. E ele responde que desenhou, sim. “Esse é o meu café da manhã de todas as manhãs.” Toma. Quem não chora é tucano. Bolaños mistura “commedia dell’arte” com humor nonsense e o talento mexicano para o melodrama, temperando com denúncia social.

Todas as famílias da vila são fracionadas: Quico não tem pai, Chiquinha não tem mãe, a Bruxa do 71 não tem ninguém, seu Madruga é desempregado e Chaves mora num barril (embora eu, quando pequeno, preferisse imaginar que ali dentro tivesse um fundo falso onde se escondia uma casa espaçosa).

No episódio “Ladrão da Vila” Chaves é acusado injustamente de roubar um ferro de passar. Em outro episódio clássico, ele é o único que não tem dinheiro para passar as férias em Acapulco. Quando criança, chorava de raiva e de pena. Queria invadir a tela e dar pro Chaves tudo o que eu tinha.

Chorei de novo ao reassistir às cenas. Chaves é do tamanho de Chaplin: hilário e humano. Neles, as duas coisas andam juntas -as duas coisas são a mesma coisa.

“Chaves, você sabia que a cada duas horas um indivíduo é atropelado na rua?” “Pobre indivíduo! Se eu fosse ele nem saía mais na rua.”

*Publicado na Folha de S.Paulo

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