6:40Cinquentona, mas com corpinho de 6

mafalda

Mafalda

por Célio Heitor Guimarães

De vez em quanto, surge no mundo dos quadrinhos uma obra-prima. Em arte e/ou conteúdo. Flash Gordon, de Alex Raymond foi uma delas. Assim como o Príncipe Valente, de Hal Foster. Ou Li’l Abner (Ferdinando), de Al Capp. Outras: Tarzan, de Burne Hogarth; Mickey, de U.B. Iwerks e Walt Disney; O Fantasma, de Lee Falk e Ray Moore; Superman, de Siegel e Shuster; Spirit, de Will Eisner; Peanuts, de Charles Shulz, Luluzinha, de Marjorie Andersen; Cisco Kid, de José Luis Salinas; Tex, de Giancarlo Bonelli e Aurelio Gallepini; Corto Moltese, de Hugo Pratt; Ken Parker, de Beraldo e Ivo Milazzo; Asterix, de Goscinny e Uderzo; Lucky Luke, de Goscinny e Morris; Surfista Prateado, de Stan Lee e Jack Kirby…

Uma dessas criações extraordinárias nasceu aqui ao lado, na Argentina, completou 50 anos em setembro, atende pelo nome de Mafalda e é filha de um tímido cartunista chamado Joaquín Salvador Lavado Tejón, o Quino.

Quino é um gênio; Mafalda, uma menininha preocupada com a paz mundial. Foi criada em 1962, a pedido de um diretor de agência de publicidade para uma série de anúncios da empresa de eletrodomésticos Mansfiel. A personagem deveria ter no nome as primeiras letras da firma. A agência não aprovou a criação e Quino a engavetou por mais de dois anos. Certo dia, o extinto jornal Primera Plana pediu-lhe algo de diferente. Quino apresentou-lhe Mafalda. E aí tudo começou.

Rechonchuda, tagarela e contestadora, Mafalda odeia sopa e ama os Beatles e assistir ao desenho do Pica-Pau na TV. No mais, é o retrato da América Latina. E lidera uma turminha animada no bairro em que mora em Buenos Aires: o idealista e sonhador Felipe, o futuro capitalista Manolito, a fútil Susanita, que sonha com um bonito marido rico e uma porção de filhos; o egocêntrico Miguelito, o pequeno Guille; e a minúscula Libertad, de tamanho “compatível com o seu nome”, segundo Mafalda, na Argentina dos anos 60/70.

Como seu criador, Mafalda vive às voltas com o mundo pequeno-burguês, com sociedade de consumo, com a desigualdade social, com a televisão, com as guerras e com a política. Não entende o mundo adulto e recusa-se a fazer parte dele, ainda que o conheça melhor que os adultos e o veja caminhando para a autodestruição.

Como Mafalda, Quino se confessa um amargurado, um pessimista: “Sou alguém que dramatiza tudo, que pensa que as coisas vão sair sempre mal, que uma tragédia sempre vai acontecer…”. Não obstante, ele se valeu da personagem para burlar a censura em sua Argentina dos anos de chumbo e torná-la a sua “melhor aliada” para dizer, então, “o que queria e quando queria”.

“Desde que cheguei a Buenos Aires, em 1954” – conta Quino –, me disseram que não podia fazer desenhos sobre militares, sobre a igreja, sobre o divórcio e sobre a moral. Então, me acostumei a desenhar as coisas que me permitiam”. Até colocar Mafalda em ação.

Contudo, excessivamente modesto, acha que a insolente garotinha é só “mais um desenho”.  Quino compara-se a um carpinteiro e “Mafalda é um móvel que fez sucesso, lindo, mas que para mim continua sendo um móvel, que faço por amor à madeira em que trabalho”.

Pois é, um “móvel” que apareceu no Primera Plana, foi para El Mundo e depois passou a ser publicado em livretos para se tornar sucesso internacional. Quino parou de produzir a pequenina notável em 1973, mas nem por isso ela deixou de existir, distrair e fazer o mundo pensar. Até hoje é editada e reeditada em mais de 50 países, num total de 20 línguas. E continua mais viva do que nunca. Só permanece praticamente inédita nos Estados Unidos e na Inglaterra. É compreensível…

Quanto a Joaquín, aos 82 anos de idade, vive atualmente entre Madri e Buenos Aires. Em outubro, em Oviedo, norte da Espanha, foi agraciado com o prêmio Príncipe das Astúrias, na categoria Comunicação e Humanidade, de 2014. A láurea destina-se a homenagear o trabalho humanitário, técnico, científico e cultural realizado por indivíduos ou equipes.

Reza a lenda que, quando Quino resolveu encerrar as atividades de Mafalda, “por puro cansaço”, na última tirinha a personagem desnudava-se e revelava ser um menino. O editor recusou-se a publicá-la. Era só o que faltava!

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4 ideias sobre “Cinquentona, mas com corpinho de 6

  1. antonio

    Boas lembranças. Faltou citar o “Hagar o Horrível”, do Dik Browne. Tenho quase todas as revistas.
    As que não tenho estão com os preços pela hora da morte em sites especializados. Da Mafalda a minha filha tem um compêndio de 300 ou mais folhas de suas histórias. Se não me engano foi uma edição comemorativa dos seus 50 anos.

  2. Ivan Schmidt

    Ave, Célio Heitor, o enciclopedista dessa arte maior que são os quadrinhos. Qualquer dia escreva sobre o gato Garfield, cuja semelhança com alguns políticos brasileiros não é mera coincidência… mais um vez parabéns e longa vida!

  3. Célio Heitor Guimarães

    O compêndio a que você se refere, Antônio, deve ser “Toda Mafalda”, da Editora Martins Fontes, já na 5ª ou 6ª edição. Tem 420 página, capa dura, e reúne toda a produção de Quino com Mafalda, da 1ª à última tirinha. A edição comemorativa aos 50 anos ainda não saiu no Brasil, apenas em Portugal, pela Editora Verbo – que, na verdade, é a mesma da Martins Fontes brasileira, com exceção da capa.
    Quanto ao Garfield, Ivan, vamos tentar marcar uma entrevista com o malandro bichano.

  4. Professor Xavier

    Algum de vocês deu um abraço na Mafalda? Eu dei, e ela continuou com aquele sorriso no rosto.

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