7:34Depressão nas estrelas

por Yuri Vasconcelos Silva*

Tudo se altera e esfria. Apesar do razoável conhecimento alcançado, a civilização nada pode fazer para evitar a mais implacável lei natural. Para os lógicos, recebe o nome de Terceira Lei da Termodinâmica. Para budistas, impermanência. Para os poetas, tudo que é sólido se desmancha no ar. O fato é que toda forma de agregado se desorganiza e se separa com o tempo. O universo se expande para morrer gelado e sem luz. Os relatórios e noticiários indicam que a humanidade não será capaz de evitar a destruição pelas próprias mãos. Individualmente, o sofrimento faz parte da vida na medida em que a felicidade não passa de um intervalo momentâneo entre as dores da alma. Quando chega ao fim, tudo morre.

Talvez um exagero niilista. Mas para o filme “Interestelar” (direção de Christopher Nolan, 2014), muito além de uma ficção científica despretensiosa, o pessimismo e as dores individuais se mesclam às da humanidade em um futuro seco e infértil. O desespero diante da flecha do tempo irreversível que só segue em direção ao futuro, enche de arrependimento os protagonistas e os espectadores pelos erros cometidos ontem e agora. Seja o fim da civilização ou o sofrimento solitário, nada importa diante de um universo indiferente e frio. As cenas espetaculares onde, por exemplo, aprecia-se a escala de uma nave espacial perto dos anéis de Saturno evidencia o quão irrelevantes somos na escala do desconhecido. Os dilemas humanos são irrelevantes diante da imensidão do Universo e da ignorância humana.

Se o desespero tem um aspecto positivo de infringir algum movimento para mudarmos a situação, em Interestelar, dá um empurrão em busca da salvação em direção ao abismo do espaço profundo. Apesar da existência de Deus ser sutilmente questionada numa situação em que os homens estão claramente por conta própria, um tipo de fé é necessária aos cientistas para entrar de cabeça num buraco perto de Saturno, na esperança de encontrar a salvação para nossa espécie. Este buraco de minhoca representa um símbolo similar ao monólito de “2001, Uma odisseia…” e pode sugerir a existência de um criador. Ou que, ao menos, não estamos sós.

Depois de 2001, “Uma odisseia no espaço”, “Star Wars” e “Contatos Imediatos do 3º Grau”, tudo o que foi produzido no cinema com este tema eram variações destes três. Nolan tampouco conseguiu algo novo, mas fez um filme relevante, seguindo as lições de Kubrick e Spielberg. Em especial pela dimensão psicológica de cada personagem e pelo visual e som arrebatadores, obrigatórios em um bom filme no espaço.

Apesar do tom pessimista, o filme ou a realidade alerta que a vida é isso mesmo. Colhemos o futuro que plantamos no presente e, apesar do sofrimento inerente à vida, é importante lembrar que estamos vivos e conscientes disso. Motivo de celebração. Carl Sagan disse que somos resultados da poeira cósmica, de estrelas que explodiram. Cada átomo existente em nosso corpo esteve presente no início do universo e foi se transformando até estar aqui. De certo modo, somos um pedaço do Universo que, por obra do acaso ou não, adquiriu consciência para admirar e pensar sobre o próprio Universo. Por pouco tempo. Então, aproveite.

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto

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2 ideias sobre “Depressão nas estrelas

  1. Sergio Silvestre

    Por isso gosto do blog do ZB,esse é o melhor texto que eu li e se revirar tudo que se vê em redes sociais o autor que deve ter assistido esse maravilhosos filme,um verdadeiro colírio para os FÍSICOS.
    Passa desapercebido alguns diálogos inteligentes como”Os pais são para ser as memorias dos filhos e ‘Se você desaparecer agora o universo nem se dará conta” e a odisseia pelo espaço em uma nave errante buscando a preservação da especie.
    Se perguntar a alguém se já teve uma experiencia em que o tempo se deforma e você tem a impressão de ter estado já naquele lugar,muitos vão dizer que sim,é quando você passa de uma dimensão para outra num piscar de olho e você prova um pouco do passado na sua consciência,ou avança por segundos no futuro,pois a unica coisa que não existe no tempo e o presente,por que quando soletrei a ultima letra aqui nesse comentário,já é passado.
    Mas na nano ciência existe um mundo que diminui de tamanho abaixo e um mundo que parece gigantesco acima,tudo isso gira em orbitas em volta de algum núcleo formando átomos que são uma forma microscópica de um sistema solar,se observar-mos as galaxias vamos ver suas formas espirais girando em torno de uma grande fonte de energia monstruosa,que pode ser um buraco de minhoca ou um buraco negro que suga a matéria.
    Vamos lá,desde a nano ciem cia até as galaxias,vermos que o universo tem um padrão em que todo planeta gira em torno de um sol,e não seria isso o corpo de Deus?Esses sistemas grandiosos seriam os átomos que formam um gigantesco ser?
    O homem não pode temer seu futuro em relação ao universo,que já é um grande presente estar aqui,as suposições,as teorias são palavras ao vento e uma forma de nós nos sentir confortados.
    Mas se um dia ficar depressivo,com medo do futuro,vai para sua sacada ou janela,olhe para o ecu numa noite estrelada e veras que você faz parte disso tudo,que já viajou por ele em forma de energia,que já passou perto do criador e que numa forma aritmântica de um numero fantástico de probabilidades coce está aqui,vendo as cores,comendo os frutos ,mas fodendo com o planeta.
    E vocês pensaram que eu não ia foder com meu texto no final é!!!!!!!!!!!!!!!Assistam o filme e o entendam colegas.

  2. Célio Heitor Guimarães

    É isso aí, Yuri. Uma bela e consistente interpretação do filme de Nolan. Parabéns. É uma produção para se ver ao menos duas vezes, porque na primeira sai-se do cinema, além de desesperançado, cansado e confuso.

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