6:58A vocação do Brasil é o idealismo

por Ivan Schmidt

Há uma sequência natural em falar do Brasil depois de haver falado dos Lusíadas, porque o Brasil e os Lusíadas são as duas maiores obras de Portugal. Sabeis bem que o Brasil é um dos maiores países do mundo; e o tamanho é fator importante na psicologia das raças.

Tomemos o Sul, os paulistas, por exemplo, descendentes dos primeiros colonizadores de São Paulo. Percorriam o país inteiro, de ponta a ponta, nas suas acidentadas expedições em busca de minas. Conheciam o interior, como hoje talvez não seja conhecido em extensões tão vastas. O espírito desses homens era de liberdade e independência, espírito que cresce com a raça e pelo qual cada menino nascido no Novo Mundo se distingue do pai, nascido no Reino, digo mais, pelo qual todo pai europeu toma a nacionalidade dos filhos.

O Rio de Janeiro tornou-se então a verdadeira capital da monarquia. O Brasil não era mais colônia. Embora só viesse proclamar sua independência em 1822, já vinha, desde o manifesto de dom João, absorvido pela ideia de se tornar Império.

O primeiro imperador, dom Pedro I, foi impulsivo, obstinado e autoritário, mas era reto, generoso e liberal. Morto, continua vivo, em ambos os países, como heroi popular, do mesmo modo que o general Lafayette, em quem encontrou amizade e apoio. Deu liberdade constitucional tanto ao Brasil como a Portugal. Seu filho, dom Pedro II, na idade de cinco anos, em 1831, se tornou o tutelado da nação brasileira, governou-a de 1840 a 1889 e entrava no 50º ano de reino quando foi derrubada a monarquia.

Durante seu inteiro reinado – para resumi-lo num só traço – não permitiu uma só vez qualquer interferência na liberdade de imprensa. Seu cliente principal era a oposição e isso a oposição bem sabia. O imperador ansiava para que todo erro se tornasse público e fosse discutido contra seus ministros; acreditava na rotação dos partidos políticos e garantia essa rotação. O povo tinha acesso ao Paço e quem quisesse podia falar-lhe. Assim, ao deixar o país, não tinha senão dívidas e pagou-as com a venda pública do seu mobiliário.

Depois, repentinamente, em 15 de novembro de 1889, veio a República. O ideal que sempre parecera à juventude brasileira o alvo político mais desejável era o da democracia sem o princípio hereditário a encabeçá-la.  No Brasil, portanto, jamais a liberdade foi sacrificada à ordem; pelo contrário, aparece constantemente como seu fruto, fruto da mesma árvore da ordem plantada em nossa independência.

O Brasil sempre teve consciência do seu tamanho e tem sido governado por um sentimento profético do seu futuro. Mostrou-o como nação desde o primeiro dia, tomando para si a categoria de império, enquanto Portugal, a antiga mãe-pátria, permanecia reino. O príncipe dom Pedro, quando preferiu a nova coroa americana à antiga e européia, apenas seguiu o conselho paterno. Desde dom João IV, como revelou sua consorte ao grande jesuíta, padre Antonio Vieira, o Brasil era a esperança final da dinastia portuguesa.

A quem me perguntasse qual é o característico nacional dominante no Brasil, eu responderia com segurança que é o idealismo. Desse idealismo, faz parte o americanismo. Somos e sempre fomos leais ao nosso continente. O Brasil nunca poderia acorrentar-se a funções interesseiras e egoístas; é governado pela imaginação. A nação sempre obedecerá ao seu idealismo. Por isso nunca conheceu um governo arbitrário ou pessoal.

Não poderia sequer produzir um déspota, e este, se pudesse existir, sentiria o vazio em torno de si. Cada gesto de nossa história pode-se explicar pelo idealismo e por nada mais. A ganância e o egoísmo não explicariam nenhum.

O que se leu até aqui são palavras proferidas por Joaquim Nabuco (1849-1910), em conferência realizada nos Estados Unidos. Um dos expoentes máximo do abolicionismo no Brasil, cuja visão inteligente da política permitiu à história brindá-lo com o honroso título de “estadista do Império”. Monarquista por convicção e, ao mesmo tempo entusiasta defensor da República, acima de quaisquer outros valores – tangíveis ou intangíveis – Nabuco se curvava unicamente perante o Brasil.

Lendo o que este notável patriota disse ou escreveu, tanto aqui como em terras estrangeiras, não se poderá descartar a necessidade de instrutiva comparação com o cenário vivido pelo País na metade da segunda década do século XXI.

Governantes autoritários, coronéis políticos fossilizados no exercício do poder, tecnocratas transformados em quadrilheiros para se apropriar do dinheiro público e uma evidente (mas criminosa) divisão de classes sociais, decerto fariam Nabuco sentir vergonha de ter nascido no Brasil.

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Uma ideia sobre “A vocação do Brasil é o idealismo

  1. Professor Xavier

    Ainda bem que a nossa sina é esta, a de sermos pautados pelo idealismo, que coisa maravilhosa, de matar de inveja os outros povos do Universo.

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