9:13É doando que se recebe

Da Gazeta do Povo, em reportagem de Chico Marés

28 empresas que receberam verbas de gabinete doaram para deputados

Responsáveis por R$ 506 mil em doações, elas receberam R$ 1,4 milhão em recursos da Assembleia Legislativa na atual legislatura

Dados do Tribunal Supe­­rior Eleitoral (TSE) e da As­­sembleia Legislativa do Pa­­raná (Alep) mostram que 28 empresas e pessoas físicas que receberam verbas de gabinete na atual legislatura doaram recursos para a campanha de seus clientes. Ao todo, elas receberam R$ 1,4 milhão e doaram R$ 506 mil. A campeã nesse quesito foi a locadora de veículos Cotrans, que doou R$ 118 mil para a campanha de Valdir Rossoni (PSDB) para deputado federal e para as de Plauto Miró (DEM), André Bueno (PDT) e Nereu Moura (PMDB) para a Alep. A empresa recebeu R$ 614 mil dos quatro gabinetes entre 2011 e 2014. Nem todas as doações foram “lucrativas” para as empresas. Algumas aparecem na lista por causa de pagamentos esporádicos feitos pelos gabinetes. Outras fizeram doações de valores muito pequenos.

A Cotrans foi uma doadora importante na campanha estadual. Ao todo, ela gastou R$ 1,7 milhão, sendo R$ 1,2 milhão em dinheiro e R$ 500 mil em recursos estimados – cessão de serviços ou produtos. Parte desse montante foi para quatro deputados que alugam seus carros, pagos com dinheiro da Assembleia. A empresa efetuou pagamentos em cheque e cedeu gratuitamente veículos para as campanhas de Rossoni (um total de R$ 84 mil) e Plauto (R$ 25 mil). Para Bueno (que recebeu R$ 5 mil) e Nereu (R$ 3 mil), ela apenas cedeu carros.

A situação não é inédita: matéria da Gazeta do Povo de fevereiro de 2014 mostrava que a Cotrans havia recebido R$ 818 mil de parlamentares para quem havia doado em 2010. Na ocasião, receberam doações Rossoni, Plauto, Bueno e Ademar Traiano (PSDB). Considerando todos os deputados, a empresa recebeu R$ 952 mil ao longo da legislatura.

No mesmo segmento, a empresa Auto Locadora Via Sul doou R$ 15 mil para a campanha de Fernando Scanavaca (PDT), em valores estimados. A mesma empresa recebeu R$ 76,2 mil de seu gabinete, ao longo dos quatro anos de mandato. Outra locadora de veículos, a Top Line Locadora de Veículos, cedeu um carro no valor de R$ 2,7 mil e recebeu R$ 44 mil – sendo R$ 20 mil em período eleitoral – ao deputado Roberto Accioli (PV).

 

Gráficas

Outro segmento que doou para as campanhas é o de gráficas. Uma das empresas é a World Laser Impressões. Desde 2011, a World Laser recebeu mais de R$ 194 mil do gabinete do deputado Professor Lemos (PT). Em 2014, foi uma das maiores doadoras de sua campanha, com um total de R$ 61 mil.

Já a Gráfica Radial recebeu, ao longo do mandato, R$ 66 mil do gabinete de Rasca Rodrigues (PV), e doou R$ 10 mil, enquanto a Gráfica e Editora Campana recebeu R$ 42 mil do gabinete de Scanavaca e doou R$ 5 mil. Todas as doações dessas gráficas foram em valores estimados.

Por fim, o jornal Tribuna do Norte doou R$ 5 mil para a campanha do deputado Nelson Justus (DEM). O deputado fazia pagamentos mensais ao veículo até 2013, que somaram R$ 68 mil. Assim como a Cotrans, a empresa fez doações para o deputado na campanha de 2010.

Locatários também fizeram doações

Segundo a prestação de contas final das eleições de 2014, quatro deputados estaduais receberam doações de campanha de locatários de imóveis pagos com recursos da Assembleia Legislativa do Paraná. Cantora Mara Lima (PSDB) e Douglas Fabrício (PPS), ambos reeleitos, além de Elton Welter (PT) e Roberto Acciolli (PV), que não estarão na Assembleia em 2015, gastaram, somados, R$ 176 mil em verbas de ressarcimento para o aluguel de imóveis. Os proprietários desses imóveis doaram R$ 19,5 mil para suas campanhas.

O caso mais emblemático é o de Fabrício. Ele recebeu R$ 14,1 mil do locatário de sua residência em Curitiba, que também é filiado ao PPS. Por e-mail, o deputado disse que é amigo do locatário e que as doações foram feitas dentro das regras legais. “Os critérios para a escolha do imóvel são claros. Pertencer a uma pessoa conhecida não representa qualquer impedimento. Além disso, elimina taxas de administração e seguro fiança. Antes de locar um imóvel eu ficava em hotéis, o que era muito mais dispendioso”, afirma.

Já Mara Lima recebeu R$ 3,9 mil da locatária de seu escritório político. Ela recebeu, ao longo dos últimos quatro anos, R$ 52 mil em verbas de ressarcimento pelo aluguel do imóvel. Para o advogado da deputada, Gustavo Swain Kfouri, não há qualquer problema jurídico na doação. “O contrato de locação é com a deputada, e não com a Assembleia, e ela se ressarce conforme as normas legais”, afirma. Ele destaca, ainda, que o contrato foi suspenso durante a campanha – o último pagamento registrado na Assembleia é de junho.

O locatário do escritório político de Accioli também doou para as campanhas do deputado estadual e de seu filho, Cristiano Santos, candidato a deputado federal (cerca de R$ 1 mil para cada). Segundo o advogado do deputado, Guilherme Gonçalves, não foi uma doação, e sim uma cessão gratuita do imóvel. O local, que era o escritório político do parlamentar, foi emprestado para se tornar seu comitê de campanha. Segundo informações da Assembleia, os pagamentos se encerraram no mês de maio, antes do início do período eleitoral.

Por último, Elton Welter recebeu uma doação de R$ 500 da locatária de um imóvel que aluga com verbas de ressarcimento. Ele gastou R$ 43 mil no período. A reportagem procurou Welter, mas não conseguiu falar com o deputado até o fechamento da edição.

 

Parlamentares e empresas não veem problemas

Os deputados que receberam as doações negam ir­­re­­gularidades, assim como as empresas. “A empresa doou para a minha campanha de forma legal”, disse Valdir Rossoni (PSDB). Já Plauto Miró (DEM) disse que a empresa apresentou a menor cotação para o aluguel do veículo e procurou a campanha por “acreditar em sua linha de trabalho”.

A assessoria de André Bueno (PDT) afirmou que a empresa foi contradada pelo preço do aluguel. Nereu Moura (PMDB) ressaltou que o valor doado foi “irrisório” (R$ 3 mil). Os quatro receberam recursos da Cotrans, cujo responsável não foi localizado pela reportagem.

Já Professor Lemos (PT), que recebeu da World Laser, diz que a doação foi “um desconto” no material de campanha. Segundo ele, a campanha aceitou apresentar a parte que faltava ser paga por materiais como uma doação. O responsável pela empresa não foi encontrado.

Rasca Rodrigues (PV), que recebeu da Gráfica Radial, diz que as doações foram feitas “talvez por gratidão”. Alexandre Domingues, sócio da Radial, confirma: “Nós torcíamos pela vitória dele.” Guilherme Gonçalves, advogado de Ro­­berto Accioli, disse que “não há vedação legal” na cessão de veículos.

O diretor da Editora Tri­­buna do Norte, Baltazar Eus­­táquio de Oliveira, disse não ver problema em fazer doações e receber por trabalhos feitos para Nelson Justus. “Ele trouxe benefícios para a região e somos gratos por isso”, comentou. Já o proprietário da Editora e Gráfica Cam­­pana, Valdir Campana, justificou dizendo que Fer­­nando Scanavaca (PDT) é da região de Umuarama. “Os serviços prestados também são consequência da proximidade”.

Justus, Scanavaca e os responsáveis pelas Auto Locadora Via Sul e Top Line Locadora não foram localizados pela reportagem.

INFOGRÁFICO: Veja as empresas que receberam verbas de gabinete

Colaborou: Katna Baran

 

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Uma ideia sobre “É doando que se recebe

  1. Professor Xavier

    Na verdade não foram doações, foram acertos de contas, os doadores deram com uma mão e receberam com a outra. Ou seja, soma zero, ninguém ganhou e ninguém perdeu, é o famoso Zé com Zé, muito comum nas bolsas de valores.

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