7:04Lições de vida

por Célio Heitor Guimarães 

Estou pensando seriamente em me aposentar das letrinhas. Não que tenha sido vencido por quem não gosta dos meus escritos e, volta e meia, lança-me insultos e desaforos, acoitado atrás do anonimato. Esses não me atingem porque uma luta de mais de cinquenta anos, por mais modesta que tenha sido, dentro e fora da trincheira jornalística, contra tiranos, canalhas, oportunistas, exploradores da boa-fé e ignorância populares e usurpadores dos direitos humanos conferiram-me certa couraça contra a parvoíce, a mediocridade, a vilania e a fanfarronice. Levo a sério o que faço, sei o que digo ou escrevo e creio ter tido uma vida que me autoriza a assim fazer. Não, não são os infelizes, pobres buscadores de notoriedade, que me fazem pensar em tirar o time de campo. É um certo cansaço, uma sensação de perda de tempo, de inutilidade. Talvez eu já tenha ultrapassado o prazo de validade. Hoje, os tempos são outros. E decência, honra, ética, respeito e mesmo luta tenham ganhado um novo significado. E eu aqui, retrógrado e desconectado com a nova era, continuo a brandir o meu velho tacape contra moinhos de vento!…

Enquanto penso, discuto com o mestre Zé Beto um destrato trabalhista e acalmo aqueles três generosos amigos que ainda acham útil o que escrevo, vou preenchendo este espaço que me foi cedido pelo grande ZB.

Alguns anos atrás, resolvi dar uns conselhos a meu filho. Lembrei-me deles agora porque têm muito a ver com o parágrafo inicial deste texto. Foram opiniões, frutos da experimentação pessoal e exemplos que recebi do meu pai e dos meus avós, mas que bem poderiam ser lições de vida, sobretudo aos jovens idealistas de hoje, que muitas vezes tomam as ruas de nossas cidades.

Meu filho é jornalista. Poderia ter sido advogado, foi até o terceiro ano do curso jurídico. Mas o seu gosto era pelo jornalismo. Por talento e vocação. Começou na televisão, passou pelo jornal e retornou à TV, com a qual diz ter mais afinidade. Eis aí outro sinal dos tempos. Para mim, o que sempre valeu foi o papel, a palavra escrita, o cheiro da tinta, a rotativa em ação e o jornal na mão. Com o encolhimento da imprensa, submeti-me à versão on-line com gosto e gratidão ao nosso Zé.

Como autêntico representante da nova geração, meu filho acha ter muito pouco a aprender com os mais velhos e raramente me pede alguma ajuda. Conselho, então, nem pensar. Não tem paciência para ouvir a resposta. No entanto, sempre que posso, passo-lhe alguma coisa. Ainda que de forma sutil. Sei, por experiência própria, que a lição fica registrada lá dentro e um dia talvez possa ser-lhe de alguma utilidade.

Uma das recomendações transmitidas: seja sempre simples e direto no que faz e a tarefa se tornará mais fácil. Quem gosta de pedância e complicação é político. Ou bacharel em Direito.

Outra: seja honesto, autêntico e sincero, pois os espertalhões, os dissimulados e os safados, no fundo, estão apenas enganando a si próprios. E não têm futuro. A decência, que virou virtude, mas não passa de obrigação, lhe facilitará a caminhada. E lhe dará autoridade para enfrentar os obstáculos. Saiba que os bandidos sempre lhe respeitarão, pois têm tanto temor dos decentes quanto o demônio da cruz.

Mais uma: não se deixe conduzir ou programar. Pense, olhe, examine, indague, conteste, se for o caso, aprenda e caminhe com as suas próprias pernas. Somente assim irá adiante.

Outra ainda: aja com humildade, mas sem se apequenar, porque se a humildade é a grandeza do homem, a pequenez é própria dos medíocres e dos poderosos de ocasião. Lembre-se que a importância é relativa e o poder sempre efêmero.

Mais uma ainda: seja tolerante, mesmo que isso lhe custe muito, como custa a mim. Nem todos tiveram, como você, acesso às informações ou conseguiram atingir o seu nível de consciência. Mas não têm culpa disso e estão em processo de crescimento. Só não tenha complacência com os canalhas de carteirinha, com os traidores, com os ingratos, com os gananciosos e com os aproveitadores de todos os tipos.

Por fim: não se deixe abater pelos insucessos, que serão inevitáveis, e muito menos pelas injustiças deste mundo. Lute, com as armas de que dispuser, porque sempre valerá a pena ter lutado. Lembre-se da lição de Berthold Brechet: “Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores. Há aqueles que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida. Esses são indispensáveis”.

Hoje, meu filho segue o seu caminho e constrói a sua própria vida. Quem sabe um dia resolva também oferecer alguns conselhos aos filhos dele, meus netos. E se aproveitar alguma coisa do que eu lhe disse, terei cumprido a minha missão.

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6 ideias sobre “Lições de vida

  1. Wilson Portes

    Põ, Célio, não faça isso conosco, essa de nos privar de seus escritos…

    Você ainda é um dos poucos pensadores de nossa terra capaz de transmitir lições de vida como a que nos apresentou hoje.

    Espero, com sinceridade, que os que têm o privilégio de conhecê-lo possam demovê-lo dessa ideia de abandonar a missão de espalhar sabedoria por toda a parte.

    Um grande abraço do

    Wilson Portes

  2. swissblue

    Some-se mais 1 ao seu clube de admiradores. Seus textos são leitura obrigatória e agradáveis. Um mestre! Não desista, fazem bem à nossa alma. Isto por si só é motivo para que continue a escrever.

  3. leandro

    Muitos se retiram das batalhas para reunir forças e voltar com a vontade de ganhar. Mesmo respeitando uma decisão pessoal, lembro que não podemos nem devemos abrir espaços, que já foram conquistados, para outros que sequer contribuem para a sociedade. Você faz parte daquelas pessoas que sempre apresentam conteúdo nas notas aqui postadas.

  4. Dallagassa

    Estou com a sua crônica aberta na minha frente.
    Refletindo sobre as tuas palavras fui remetido a alguns dias atrás, quando você se pronunciou a respeito da vitória da “companheira”.
    Em certo trecho você menciona a estória do escorpião que pediu carona ao jacaré para a a travessia do rio quando então os dois acabaram mortos eis que, embora você a isso não aluda, o escorpião acabou ferroando o jacaré, conforme é da sua (dele escorpião) natureza. Sendo que acabaram os dois morrendo. Um envenenado e o outro afogado.
    “Mutatis mutandis”, como diriam os doutos, o mesmo fenômeno ocorre com você e as letras. Escrever é da tua natureza, faz parte de você, é atávico, é intrínseco, é inerente a teu modo de ser e viver. Pode até ser uma maldição como a que afogou o escorpião mas é o teu carma, o teu dever, o teu missal e não há nada que você possa fazer a respeito.
    Veja, não é vício, pois que esse você pode até dominar. É sina. É destino.
    Portanto, meu amigo, conforme-se (ou “se conforme”, não sei bem, afinal essa seara é tua) com essa sua bendita”maldição” e largue mão de bobagem, pois você bem lá no âmago sabe que é incapaz de deixar de escrever.
    Veja!
    Essas não são palavras de incentivo pois que disso você não necessita, são palavras que refletem apenas uma constatação.
    Agora, quanto aos conselhos, esses sim são sempre de grande valia notadamente nos tempos que correm.
    Minhas sinceras homenagens ao escriba e um grande abraço ao amigo.

  5. Célio Heitor Guimarães

    Obrigado pela força, amigos. Pouco habituado a receber elogios, manifestações de afeto constrangem-me um pouco. Mas fico feliz e sou capaz de adiar a despedida, na expectativa de ser beneficiado pela aprovação da “PEC da Bengala”, como sugere o ilustre magistrado gaúcho/paranaense Felipe Rauen.

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