16:291913: A explosão que deixou Curitiba de luto

por Michelle Stival da Rocha, da Assessoria de Comunicação da Câmara Municipal de Curitiba

Em 1913, às 14 horas do dia 1º de julho, uma grande explosão nos armazéns da antiga estação da estrada de ferro Curitiba/Paranaguá atingiu o Palácio Rio Branco – onde hoje são realizadas as sessões plenárias da Câmara de Curitiba – fazendo com que o prédio passasse por uma reforma. O estrondo se fez ouvir na cidade inteira, assim como pôde ser vista uma grande nuvem de fumaça. Quatorze pessoas morreram e outras inúmeras ficaram feridas.

O Diário da Tarde – periódico que circulava na cidade à época –, naquele mesmo dia, anunciou: “Às duas horas da tarde de hoje, mais ou menos, enorme estampido ensurdecedor echoou pela cidade, dando o alarme de um sinistro acontecimento. Por toda a cidade houve a princípio um instante de estupor e depois de verdadeiro pânico e desespero. Que seria?”

Três carroças, carregadas com aproximadamente 730 quilos de pólvora negra, foram pelos ares, em frente ao armazém de Paranaguá – que, segundo informações do Museu Ferroviário, ficava na avenida 7 de Setembro com a Marechal Floriano e onde hoje há um shopping. O explosivo estava sendo carregado por praças (patente militar inferior à de segundo-tenente) até a estação. O carregamento havia sido vendido pelo Ministério da Guerra ao sr. Alexandre Gutierrez, que tinha o objetivo de utilizá-lo em pedreiras na Serra do Mar.

Os danos atingiram todas as casas próximas, ao ponto de caírem as vidraças com os caixilhos. Um eixo de carroça atravessou o muro do Congresso (Palácio Rio Branco) de lado a lado. “Foi objecto da nossa atenção a fachada do edificio do Congresso que lança para a Praça Euphrasio Correia, até os prejuízos foram importantes pela ruptura de todas as vidraças e dos móveis internos”, informou o jornal Commercio do Paraná, no dia seguinte.

“No palácio do governo (na rua Barão do Rio Branco, hoje Museu da Imagem e do Som em reforma) caiu o estuque de uma das salas”, descreveu o Diário, no dia seguinte. Também nas ruas Silva Jardim, “Ratcliff” (atualmente Dr. Westphalen), Visconde de Guarapuava, Floriano Peixoto e praça Eufrásio Correia os prédios ficaram com as vidraças quebradas.

Bondes, linhas telegráficas e telefônicas pararam de funcionar. “Pontos negros se destacaram, como si corvos esvoaçando desordenadamente: eram destroços da explosão – fragmentos de carroças, de animaes, frangalhos de corpos humanos, telhas etc”, informou o Diário da Tarde. Segundo o mesmo, houve estragos desde o Batel até os fins da rua XV de Novembro.

Em poucos minutos, moradores de diversas regiões vieram conferir o ocorrido. Quase toda a população da capital paranaense correu até lá. “Pelas imediações da estação jaziam os destroços da explosão. Aqui, vísceras, cabeças separadas dos corpos; ali, cavalos mortos, outros fragmentos, enfim, uma infinidade de destroços, atestando a violência inaudita da explosão” (Diário da Tarde, 1/7/1913).

A tragédia, à época, pelo número de habitantes da cidade (cerca de 50 mil), foi considerada uma verdadeira “hecatombe”. “Nos annaes das grandes desgraças humanas, raramente se registrará tão emocionante tragédia”, lamentou o Diário no dia seguinte.

De fato, até hoje em Curitiba não se viu explosão de tamanho alcance. Ressalte-se que, em 1976, um caminhão que transportava aproximadamente 1.500 quilos de dinamite explodiu no Cabral, divisa com Juvevê. Três pessoas morreram. No asfalto, ficou uma cratera com quase três metros e muitos estragos, como relata Anna Carolina Azevedo, autora do livro “Dinamite” – publicação que conta a história. “De fato, o impacto na estação de trem foi muito maior, pensando nas pessoas mortas, mas a dinamite em 1976 acabou com boa parte de um bairro”, relembra.

Já em 1990, uma loja de fogos de artifício na rua Visconde de Guarapuava com a Westphalen explodiu, matando três pessoas da mesma família. Mas os estragos, ainda assim, foram em menor escala.

Em 1913, a estação de trem era bastante movimentada, pois levava diariamente pessoas para Paranaguá, interior do Estado, São Paulo e Rio de Janeiro. “Muitos dos moradores dos hoteis e imediações da estação, grandemente surpresos com o terrível choque, em gritos alucinantes pediam socorro como que se estivessem sob o peso de um grande terror”, Diário da Tarde, 2 de julho de 1913.

Foi assim, em detalhes, que o jornal descreveu como a população recebeu o susto. “A exma. Sra. d. Francisca Munhoz Cavalcanti, esposa do dr. Carlos Cavalcanti (presidente da província à época e que hoje dá nome a uma rua no bairro São Francisco), ouvindo o ruído da explosão, emocionou-se grandemente, sendo victima de ligeira syncope. A exma. Senhora julgou que tivessem arremessado uma bomba de dynamite no palácio presidencial”. (Diário da Tarde, 1/7/1913)

Muitos acreditavam que estar no ano de 1913 era um sinal de azar, como se pode perceber em um trecho de texto publicado na revista humorística e literária A Bomba, do dia dez daquele mês:

“- Sou supersticioso, confesso. E o diabo do 13: estamos em 1913.

Concordei. Mas concordei de um modo diverso: estendei mais a superstição. Achamos que a fatalidade não se enclausura em um número qualquer, nem no 10 nem no 13. Tanto assim, que muitas pessoas até consideraram o 13 um número feliz! Ella, a fatalidade, deve ser cega, e por isso cai sobre qualquer número, infallivelmente. Cái e passa e deixa silêncios enigmáticos à nossa perturbadora compreensão”.

As causas da explosão
De acordo com o Diário da Tarde, a pólvora fora recentemente arrematada em concorrência pública aberta pela intendência da 11ª região militar, com sede na capital. Foi vendida por ser considerada “inaproveitável” para o serviço de  artilharia. Foi levada até a estação por militares, a pedido do próprio comprador.

 

Conforme o mesmo periódico, antes do acidente, por volta das 13 horas, praças saíram com a pólvora do 2º esquadrão de trem, do depósito de inflamáveis da intendência da 11ª região militar, que ficava junto a uma chácara no Água Verde. (Diário da Tarde, 2/7/1913)

O Commercio do Paraná informou que eram três carroças contendo 39 tambores do explosivo, num total aproximado de 730 quilos. Nelas estavam nove praças do Esquadrão de Trem e da Bateria de Obuzeiros (canhões). Enquanto os soldados descarregavam, um deles entrou no armazém com um cunhete de munição (caixote feito para abrigar este tipo de material), que teria como destino a Intendência da Guerra, no Rio de Janeiro.

Em depoimento à polícia, o pesador João Walter, que sobreviveu à tragédia, disse que não quis receber a carga, visto que era terça-feira e o dia dos explosivos era somente na quarta-feira. “Insistindo o pesador em não receber a carga, após pequena discussão, o soldado apanhou o cunhete e voltando para a porta exasperadamente gritou: ‘Pois eu é que não volto mais com esta droga’. E acto contiuno atirou o cunhete de cartuchos contra as pedras da calçada, com toda a violência” (Commercio do Paraná, 2/7/1913).

A consequência foi imediata. Uma das carroças que estava perto foi atingida pelo fogo, explodindo todas as outras, como contam os dois periódicos.

Nos dias subsequentes surgiram outras versões nos noticiários. Uma delas apontava para um eventual contato com um fio elétrico da rede de bondes da cidade, que passava em frente à estação. Outra dizia que um dos praças deixou cair um fósforo aceso sobre um tambor de pólvora, detonando os demais.

“Cremos, portanto, prevalecer a 1ª (versão), aliás, confirmada pelo testemunho do pesador João Walter que vio o soldado jogar o perigoso cylindro ao solo”, opinou o Commercio do Paraná no dia três.

Palavra de especialista
Em uma análise atual do contexto, o especialista em explosivos da Delegacia de Explosivos, Armas e Munições da Polícia Civil (DEAM), Lourival Prehs, mais conhecido como “Bombinha”, diz que a primeira versão é perfeitamente possível.  “Antigamente essas munições tinham fulminato de mercúrio, um composto químico bem sensível à fricção e ao impacto. Não eram como as de hoje”, explicou.

Ele, que é químico e trabalha há 40 anos com estes artefatos, disse que, atualmente, além de maior segurança no fabrico destes materiais, há mais cautela no transporte e armazenamento dentro da cidade. “Para movimentar qualquer tipo de explosivo ou fogos de artifício dentro de Curitiba é necessário conseguir uma licença da DEAM. Primeiro analisamos o que será transportado e as condições de armazenamento, antes de liberar”, explicou Prehs.

No seu entendimento, lembrar do passado faz com que os erros não se repitam no futuro e, vale a máxima, de que todo o cuidado é pouco. “Com explosivo você só erra uma vez, não tem chance de errar a segunda”, alertou.

“Vem de molde que se registre a irregularidade de sinão, pelo menos a imprudência, de se entregar a condução de carga tão perigosa a soldados arrebatados e inconscientes da missão de que lhes investiram. Sirva de exemplo para que no futuro se destaque um oficial que, com a responsabilidade de seu cargo e preparo technico, saiba conduzir soldados portadores de valores da nação cujo sacrifício acarretará a vida de operosos cidadãos”, Commercio do Paraná, 2 de julho de 1913.

* As citações de atas e notícias, entre aspas, são reproduções fieis dos documentos pesquisados. Por isso, a grafia original não foi modificada.

 

 

 

Referências bibliográficas:

1) Jornal Commercio do Paraná, 8 de julho de 1913, noticiando a última vítima que morreu em decorrência das queimaduras.

2) Impressões do Brazil no Seculo Vinte

 


Museu Ferroviário

Jornal Diário da Tarde: edições de 1, 2 e 3 de julho de 2013. Disponíveis em microfilme na Biblioteca Pública do Paraná.

Jornal Commercio do Paraná: edições de 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 de julho de 2013. Disponíveis em microfilme na Biblioteca Pública do Paraná.

Revista “A Bomba”, de 10 de julho de 1913. Exemplar disponível para consulta na Biblioteca Pública do Paraná. 

 

 

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5 ideias sobre “1913: A explosão que deixou Curitiba de luto

  1. pedro

    Tribuna do Paraná, 04/09/1976

    1913: explosão com 18 mortos

    Curitiba conheceu uma catástrofe de proporções muito maiores eu as de quinta-feira, pelo menos em relação ao número de vítimas fatais, que chegou a 18, no dia 1º de julho de 1913. Uma tremenda explosão abalou a cidade às 14 horas e seis minuto, junto à estação da estrada de ferro, na praça Eufrásio Correia, quando soldados descarregavam 26 tamboretes de explosivos de duas carroças militares, para que fossem transportados de trem para Roça Nova.

    O jornal “A República” noticiando o fato, observou que naquele momento, no prédio onde estava instalada sua redação “um barulhar” de vidros partidos” pôs os seus jornalistas em rebuliço. Correram todos em direção à Praça da Estação, “donde um espesso turbilhão de fumo se erguia ponteado de fragmentos negros que se arrojavam para muito longe”.

    Horror
    O quadro que se deparou à multidão que acorreu ao local era e uma verdadeira hecatombe, segundo as palavras do jornal, que cita “troncos esfacelados e nas contorções agônicas, pernas e braços, pedaços palpitantes de carne humana golfando ainda os derradeiros jatos de sangue das artérias despedaçadas”. E a descrição prosseguia:

    “Aqui um infeliz sem pernas e sem um braço, horrivelmente queimado, movimentava alucinado a mão que lhe restava abrindo a boca enegrecida e sangrenta, a pedi num esgar pavoroso de dor, um pronto socorro para sua tremenda infelicidade. Ali outro contorcendo-se dilacerado com as vísceras para fora, entre chamas que se lhe atavam nos farrapos das vestes. Mais adiante gemidos cortantes de dor de infelizes ainda vivos soterrados sobre os escombros dos armazéns da estação que ruíram quase completamente. Das circunvizinhanças chegavam populares trazendo destroços humanos, – uma cabeça com a caixa craniana aberta deixando ver a massa do cérebro, pedaços de tórax, coração membros que a violência da detonação projetara ao longe”.

    O relato prossegue: “10 cavalos e 2 muares , alguns inteiramente carbonizados esvaíam-se agonizando comoventemente. Toda a praça recendia acremente a carne queimada, enquanto os bombeiros, policiais e populares entregavam-se à faina de salvar os infelizes e amontoar os anônimos destroços de carne humana”.

    Causa da explosão
    O pesador de cargas da estação ferroviária, João Walter, que estava no local escapou milagrosamente de morrer, protegido por uma porta de aço que desabou sobre a balança de pesagem de carga, sob a qual ele ficou desmaiado. Ele contou que chegaram, desde cedo, parando junto a um dos armazéns da estação, duas carroças militares com soldados. Por volta das 14 horas, um dos soldados moreno, de feição nordestina, desceu e uma das carroças conduzindo um tamborete de explosivos e lhe entregou uma guia, segundo a qual a carga constituída de 26 unidades, s destinava à Roça Nova. O pesador advertiu que aquele não era o dia de embarque de explosivos, porém o soldado não lhe deu atenção, indo buscar outro tamborete. “No desembarque desses tamboretes, os soldados rolavam-nos sobre a plancha que faz a ponte às carroças no armazém”, relatou o jornal.

    As Vítimas
    O jornal “A República” refere-se aos mortos e feridos da seguinte forma: “passado o formidável abalo da explosão, serenada a fúria do terrível ciclone de fogo, começou-se, entre o gemido longo dilacerado dos feridos a avaliar a grandeza daquele desastre. E ntão foram verificados os mortos, horrivelmente feridos e carbonizados, os seguintes soldados: José estevão de Moraes, Ismênio dos Ramos, Manoel Valleriano Pereira e Heitor Damásio da Silva, do Esquadrão de Trem, e Sabino Cardozo dos Santos, José Rodrigues de Oliveira e Augusto Theotônio Cavalcanti, da 2º Bateria de Obuzeiros”. E, m seguida, menciona o falecimento, no dia seguinte (o da edição do jornal), do “soldado Francisco Felipe de Albuquerque, do Esquadrão de Trem, que fora gravemente ferido, tendo dado entrada no hospital já moribundo”.

    As outras vítimas conhecidas até aquele momento eram: Gabriel Guarapuava, carroceiro, casado; Arthur Marques de Souza, de 15 anos, sobrinho de Manoel Jardim, Inglez “de tal”, carroceiro; uma mulher em adiantado estado de gravidez; um menino, filho do senhor José Marques; um rapaz e cor branca aparentando ter 17 anos e idade e mais três homens desconhecidos.

    Também morreu, mais tarde, o menino Alberto de Lucca. Os feridos gravemente eram: Bernardo Cassilia de 9 anos; Gabriel Nascimento, carroceiro; Silvino da Costa, pai de 10 filhos menores, Alexandre Back, alemão, carroceiro; Lourenço dos Santos, solteiro; João Urbano de Oliveira, carroceiro e Paulino Rosa Viana, carroceiro.

    O “Breack”
    Não deixou de ser noticiado, nos dias seguintes, o achado do “breack” de uma das carroças destruídas pela violenta explosão, o qual foi arrojado ao quintal da casa do diretor das oficinas do jornal, Olívio do Nascimento, distante do local do sinistro mais de 300 metros. “Esse breack que esteve exposto a grande multidão na porta do nosso prédio” – comentou “A República” – apesar de sua notável resistência, acha-se completamente retorcido, evidenciando bem a potência destruidora da explosão”.

    Autoridades
    O Corpo de Bombeiros havia sido criado no ano anterior e o atendimento a essa catástrofe foi seu primeiro grande trabalho. Era presidente do estado, na época, Carlos Cavalcanti, que compareceu ao local da tragédia acompanhado pelos secretários e por autoridades policiais e militares, quando eram tomadas as primeiras providências,

  2. Sou PDT

    Mesmo não sendo levados por carroças, alguns periódicos de jornais causaram as maiores chamas já “vistas” nas mesmas imediações, por ocasião de recentes escândalos de pessoas que não queriam largar o osso. Por enquanto, entre mortos e feridos, apenas cargos e chifres. Um presidente verde começa a ver a coisa vermelha ou quem sabe em forma de queijo suíço.
    Que pena! Curitiba continua de luto.

  3. Michelle Stival da Rocha

    Obrigada por publicar a matéria, Zé Beto. Você tem dado a maior força para nossos resgates históricos da Câmara. Quanto à matéria publicada acima pelo colega “Pedro”, percebo que as informações estão desencontradas, tanto no número de mortos, quanto em outros detalhes, como a quantidade de tamboretes de explosivos. De fato, quando pesquisei sobre o assunto, e pesquisei muito, percebi que cada jornal publicava uma informação diferente. Esta matéria de 1976 eu não tive a oportunidade de ler durante a produção do texto. Uma pena, pois me ajudaria muito na pesquisa. Quanto à Britanite, acho que foi em Quatro Barras, não em Curitiba.

  4. pedro

    A matéria da Tribuna se encontra nos arquivos da Casa da Memória referentes à praça Eufrásio Correia. Postei a matéria da Tribuna por achar que ela complementava os dados trazidos pela matéria da Câmara, mas se alguém se sentiu incomodado, lamento.

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