7:16Cidades de plástico

por Yuri Vasconcelos Silva

O menino acorda na altura do vigésimo andar. Toma seu café da manhã servido pela doméstica. O motorista o leva até a aula de tênis, que dura uma hora. Depois de um copo de leite na lanchonete, vai para a aula de francês – já aprendeu inglês. Almoça em casa, troca a roupa e vai para a escola de van, onde ficará até o fim da tarde. Depois das aulas, sua mãe o espera numa SUV que ocupa o espaço de dois fuscas no trânsito. Vão tomar um sorvete num shopping bacana antes de retornar ao confortável apartamento no vigésimo pavimento daquele condomínio. Assistindo à TV, um programa mostra do céu a cidade do Rio de Janeiro. O menino fica encantado com a onda montanhosa que parece ter emergido sob a cidade, num equilíbrio belo entre o natural e o construído. Ele vira a cabeça e grita para o pai que nas próximas férias quer conhecer o Rio. O menino e a família vivem na Barra da Tijuca, um bairro do Rio de Janeiro.

A insegurança nas metrópoles criou um novo modo de morar a partir da década de 1970. Pode ser num apartamento cheio de suítes ou uma casa imensa dentro de um lote apertado (ilustrando: um frango assado servido num pires). Viver em um condomínio fechado traz não apenas a sensação de estar seguro, mas também carimba quem vive nesta ou aquela comunidade onde só a classe média alta tem a credencial de ir e vir. Todos gostam e precisam de um rótulo. Morar na Barra ou Alphaville é apenas mais um. Não há demérito algum em, tendo o dinheiro para tanto, gastá-lo em taxas condominiais para viver feliz com a família num lugar perfeito, como informam os sorrisos brancos dos bonitos encartes publicitários. Mas o resto da cidade e seus habitantes pagam um saldo devedor deste modelo de urbanismo. Como um condomínio precisa de uma grande área para implantar suas centenas de lotes, murando todo o perímetro desta gleba, retalha-se um importante pedaço do tecido urbano. De imediato, surge uma separação concreta entre classes sociais. Pior, segrega-se quem vive dentro da bolha, como o caso do menino da Barra. Enquanto quem vive no condomínio sofre de um dose elevada de ilusão desconectada do mundo real, muitos que estão fora experimentam um excesso de realidade, como acontece em muitas favelas. Vias descontinuadas, paisagens naturais e ecossistemas interrompidos e até mesmo a pressão imobiliária sobre os custos dos terrenos próximos são alguns dos efeitos provocados pela inserção maciça de um grande loteamento.

Outra característica peculiar é o artificialismo destes oásis de civilização. Os proprietários devem seguir padrões tão rígidos como os da SS-Nazi para construir as casas e edifícios. As gramas devem ter seu verde correto, na altura ideal e os asfaltos parecem ser de plástico breu. Tudo patrulhado por carros pretos com seguranças elegantemente uniformizados. É quase uma cidade cinematográfica dentro de um galpão invisível. Geralmente vazio de gente e vida.

Por sorte, ainda existem aqueles que insistem em morar na casa ou em apartamentos antigos diretamente ligados à cidade e sua história. Estes não abrem mão da padaria da esquina, das conversas de porta ou janela. Do caminhar pela vizinhança e reconhecer quase todos. Do cafezinho ou revista semanal na mesma banca, onde conhece o dono. O olhar para a rua através da janela, de dia ou numa insônia madrugada. É espantoso, mas este modo de viver, com maior conexão com os vizinhos e o lugar onde vive produz tanta segurança quanto viver num condomínio murado cheio de vigilantes desconhecidos. Mais humano, no entanto. Os olhos das janelas das casas para a rua são a vigilância mais eficaz e antiga na história das cidades.

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto

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