7:58Crianças

“Pelo amor de Deus, vamos olhar as criancinhas deste país” pediu o Rei depois do milésimo gol. De demagogo foi chamado. Anos depois Edson Arantes do Nascimento/Pelé virou as costas e se negou a olhar a própria filha nascida de uma relação fugaz. Crianças são anjos e continuam a ser enterradas com este nome neste Brasil. São vítimas do descaso dos pais, pois, na maioria das vezes estes são sobreviventes tentando sobreviver. São vítimas do descaso destes que estão aí gastando zilhões e se matando para continuar ou tomar o poder – e cacarejam que dão ou darão o básico, saúde e educação, mas isso é campanha eleitoral- e nada mais. Um mínimo para nossas criancinhas seria o máximo, porque o mundo delas, o nosso mundo, aquele onde já passamos, e muitas vezes esquecemos na tentativa idiota de ser adultos atropelados por este modo de vida maluco onde o umbigo é o principal órgão do nosso corpo e da nossa alma, o mundo delas é diferente – e só elas enxergam. Basta olhar o olhar. Basta notar que a alegria de um pequenino que vive no lixão mais fétido ou que vive na mansão é igual. Vamos olhar as criancinhas do Brasil sim, mas isso não se direciona apenas a quem tem o dever como homens públicos de fazer isso. Vamos olhar as criancinhas que fomos e na que nos transformamos. Faltou algo? O colo da mãe, o carinho do pai? Será que isso aconteceu porque eles aprenderam desse jeito e não sabiam fazer? Pois se faltou isso e estamos agindo da mesma maneira, um passinho, um braço esticado, um afago e o mundo muda – o deles, nossas criancinhas, e o nosso. Outro dia encontrei um homem que está doente, quase não anda, mora num barraco, já teve dinheiro, fama – e está sem nada. Ele não reclamou da vida que leva agora. Contou que, entre os três filhos que criou, pois não podia ter filhos naturais, uma delas era um bebê que lhe foi entregue numa esquina, por uma avó desesperada porque a filha não poderia criar a criança e muito menos ela, pobre de dar dó. Aquele criancinha poderia ter sido vítima de uma tragédia, seja ela anormal ou a “normal”, de não sobreviver por falta de condições mínimas. Hoje é adulto, forte, ganhou a vida e ajuda no que pode o seu verdadeiro pai. Ela tem o brilho nos olhos da criança que ainda é. Ele tem brilho na alma, porque o dos olhos perdeu por estar quase cego. Crianças que se salvaram nesta selva onde tantas estão irremediavelmente perdidas.

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