14:00De PauloFrancis@edu para Dilma@PT 05/10/2014 02h00

por Elio Gaspari

Senhora,

Não tenho mais interesse na política brasileira. Só leio sobre a China. Perdi a curiosidade pelo seu governo quando a senhora, estando em Nova York, foi ao Metropolitan Museum perder tempo numa exposiçãozinha do pintor holandês Frans Hals. Podendo ficar só com o “Juízo Final” de Van Eyck, ou o “Juan de Pareja” de Velázquez, ocupou-se com um retratista de bêbados de bochechas vermelhas. O Hals é um daqueles pintores que a gente vê uma tela e viu todas. Como diz o Nelson Rodrigues, bonitinhos mas ordinários.

Escrevo-lhe para lembrar que as roubalheiras da Petrobras tomarão conta da agenda nacional. A senhora terá alguns meses ou quatro anos para cuidar dessa ferida. Durante o tucanato, quando eu disse que todos os diretores da Petrobras tinham conta na Suíça, tomei um processo que azucrinou meus últimos dias de vida por aí. Dizer que eram todos foi um exagero. O tucanato nunca quis saber como diretores da Petrobras compravam casas nos melhores condomínios do Rio. Sabemo-lo. Numa contratação milionária, o cunhado de um magano visitou o empreiteiro 24 horas depois do fechamento do negócio. À época, coisa de US$ 1 milhão.

Conta na Suíça, como a senhora vê, o “amigo Paulinho” tem, com um saldo de US$ 23 milhões. Aprendi alguma coisa aqui onde estou. Não posso dar nomes nem cifras, mas façamos a conta. De onde saiu esse dinheiro? A primeira trilha, óbvia, é a das grandes empreiteiras, mas elas estão em todas. Ofereço-lhe dois caminhos para exercitar sua curiosidade. Primeiro, negócios com ativos como campos de petróleo em Angola. Nesse mercado, uma comissão decente pode ficar em 5%, chegando a 10%. Não preciso dizer-lhe, dona Isabel dos Santos, filha do presidente angolano, é a mulher mais rica d’África. Sempre que a senhora ouvir a palavra “Angola”, pense em chamar a polícia. No segundo caminho ficam as compras de equipamentos. Tomemos o exemplo dos navios de produção de petróleo, os FPSO. Existem centenas. A Petrobras tem 40 e está construindo mais seis. Cada um vale US$ 1,3 bilhão. Numa tabela inspirada em madre Teresa de Calcutá, cada um pode render 1% de comissão. Se deixar, vai a 3%. Com dois navios, a 1%, qualquer “Paulinho” amealharia US$ 26 milhões. Não se faz um negócio desses apenas com um amigo. Digamos que alguém borrifou 0,5% do contrato para baixo e outros 0,5% para cima. Será?

A senhora ou quem chegar ao segundo turno precisa prestar atenção ao que o presidente Xi Jinping faz na China. Ele sabe que não vai acabar com a roubalheira, mas sinalizou de forma drástica que sua mão pesada pode cair seletivamente em cima dos larápios. Primeiro ferrou o Bo Xilai, uma mistura de Paulo Maluf e Lula que se alinhava para mandar no país. Botou-o na cadeia. O Xi sabia que Bo era protegido pelo czar da segurança pública. (Lembre-se que esse mandarim vinha do setor petrolífero.) Ferrou-o. A senhora dirá que os órgãos competentes do seu Estado ferraram o “amigo Paulinho” e que aqui há uma democracia. A diferença persiste. Sua faxina não limpou sequer o quarto da empregada. A senhora condena os tais malfeitos, mas cala sobre os malfeitores. Está aí a ata da reunião do Conselho da Petrobras mostrando que seu ministro da Fazenda louvou os “relevantes serviços prestados à companhia” por Paulinho.

Daqui de onde estou, a gente vê com serenidade as coisas aí debaixo. Outro dia a Lota Macedo Soares, a maluca beleza que criou o Aterro do Flamengo, lembrou-me que avisou ao Eike Batista para o risco que corria exibindo-se como o homem mais rico do Brasil. Lota advertiu-o para a urucubaca: os homens mais ricos da China e da Rússia acabaram na cadeia. Ele não lhe deu atenção, quebrou, e agora seus advogados temem que o Ministério Público queira colocá-lo na cadeia. Eu acho que algum procurador fará fama encarcerando-o numa sexta-feira, sabendo que um habeas corpus poderá soltá-lo na segunda. Onde estavam os negócios de Eike? Na Petrobras.

Atenciosamente,

Paulo Francis

*Publicado na Folha de S.Paulo

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2 ideias sobre “De PauloFrancis@edu para Dilma@PT 05/10/2014 02h00

  1. m.n.

    Até que enfim alguém lembrou da roubalheira tucana na Petrobras, do tempo em que Francis fez a denúncia. Até agora a maioria dos jornais e jornalistas (mal informados ou mal intencionados, não se sabe) davam o fato como se fosse uma novidade petista.

  2. CURITIBANO ROXO

    De fato a Petrobras sempre foi sangrada mas nunca antes foi quebrada, hoje seu passivo supera seu ativo, eis a questão m.n. !

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